domingo, 30 de setembro de 2012

A colecção de respostas era afinal uma extensa lista de dúvidas.

Olhar para nós mesmos e encontrar o monstro em nós. Saber não alimentar o monstro de mim, o monstro de mim come raiva, bebe desprezo e vomita ódios. A humanidade caminha sobre frágeis caminhos, pontes suspensas no abism, entre a irrelevância e a morte. O pisar do chão condiciona os sonhos, a terra debaixo dos pés pode sentir-se acariciada ou espezinhada. Há quem cuide do seu monstro tomando-o por um anjo, e há quem tema os anjos por vê-los como monstros. Anjos e monstros voam e é uma tarefa difícil distingui-los, escolher qual deles alimentar e aninhar no regaço. Olhar para nós e ver o monstro de nós mesmos, o outro ou nós mesmos?

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Uma mesa. Um bolo. sete vidas de gato.

Bolo de Chocolate Ingredientes 5 Ovos 300 Gr. Açucar branco fino 200 Gr Chocolate 70% 200 Gr. Manteiga sem sal 5 Colheres de sopa de farinha. Modo de preparação. Acender o forno. Bater com energia (vara de arames) os ovos e o açúcar, até obter uma espuma esbranquiçada. Derreter o chocolate e a manteiga, juntando 2 colheres de leite. Misturar os dois preparados. Por fim incorporar a farinha sem mexer muito. Verter numa forma forrada com papel vegetal untado com margarina. Levar ao forno, ter o cuidado de reduzir a temperatura para o mínimo. Deixar cozer durante 20 a 25 minutos. Deve formar uma crosta mas por dentro manter-se-a húmido. Deixar arrefecer e cobrir com cobertura adequada; Chantilly e morangos, ou pudim de chocolate preparado com natas em vez de leite. Saborear como se fosse o primeiro ou o último bolo do mundo

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Haverá um universo da infância?

Um menino de seis anos, agitado, conflituoso, sem foco, olha para mim e conta-me: - Professora Rita, o meu padrasto à noite, diz-me que se eu não adormeço depressa vem lá o Freddy Krueger, e antes de eu ir para a cama mostra-me o Freddy Krueger no computador, e eu escondo-me na cama, num cantinho que tenho lá. Achas que o Freddy Krueger sabe onde eu vivo?. Nunca levei um murro físico no estômago, mas este momento foi como uma carga de tareia de ficar estendida no chão. O que se passa com as pessoas adultas? O que se passa com as pessoas? Apresso-me a responder ao menino que o Freddy Kruegger não existe, falamos de filmes e efeitos especiais. Um colega diz-lhe que são só operações plásticas e eu lá desfaço a ideia, próteses de cinema não são operações plásticas, são máscaras que se põem e tiram, são maquilhagem, lá prometo que vou mostrar-lhes o que são próteses para cinema. Mas a inquietação não desaparece por completo. -E o Papão, também é do cinema? Entramos numa zona complicada, a fantasia ao serviço do medo, e as minhas dúvidas são imensas. Se olharmos para as narrativas infantis, pré-disney, encontramos a crueldade em estado puro, sem açúcar. A crueldade humana deve ou não ser ensinada às crianças? Qual a função da crueldade na construção da personalidade? (vide Bettelheim, Bruno - Psicanálise dos contos de Fadas.Bertrand Editores 2005 (1ª Edição 1975). O mal, ao contrário do que gostaríamos de acreditar, é humano, esta é uma coisa complicada para ensinar às crianças, se o mal fosse apenas obra de seres fantásticos, as coisas seriam mais simples, os maus seriam sempre e só os outros, os não humanos, os gigantes, os ogres, os zombies. Sou pessoalmente, muito crítica, da disneyrização dos contos infantis, arredondar as histórias,ao invés de proteger,torna as crianças mais vulneráveis, pois nada no seu universo as predispõe para o reconhecimento do mal e da crueldade humana. Mas existe uma linha divisória entre preparar para o mundo, feio, cruel, onde os maus são humanos como nós, e a perversão de utilizar referências do terror para adultos ( claramente classificado para maiores de 18 anos) como mecanismo de controlo através do medo. Este gesto é doente, não tem fundamento pedagógico que o defenda, e mesmo em tempos turvos, ou , sobretudo em tempos turvos, é imprescindível separar os gestos que nunca se podem configurar como gestos bons e os gestos de raiz boa. Contar a uma crianças que os lobo comeu o porquinho que não construiu a sua casa com paciência e empenho, é potencialmente transformador, leva a ponderar a atitude, aterrorizar uma criança com imagens realistas, cinematográficas, de um zombie com mãos de faca, é sempre e só malvado e perturbador.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Alain de Botton - On Pessimism from The School of Life on Vimeo.

(David e Golias Ticciano- 1542) Golias era estúpido? Golias era certamente presunçoso. David era forte? David era certamente destemido. Contra a força bruta, torna-se necessário treinar a agilidade, a rapidez e alguma matreirice.

domingo, 23 de setembro de 2012

Se há coisa para a qual fui gradualmente perdendo paciência, é a moralização linear, infantilizadora e falaciosa que tem sido feita pelas classes dirigentes. A ideia da formiguinha industriosa, pequenina, encarreirada, esmagável, incansável, isenta de ambição pessoal, por certo não assenta aos nossos ilustres governantes e decisores, mas, acham eles, deveria assentar ao povo, e o povo é uma massa informe, de gente sem desejos, sonhos ou vontades que se deve curvar de gratidão perante a caridade, em vez de exigir direitos. Assusta-me um mundo sem cigarras, as cigarras são inutilmente essenciais, o seu cantar não mata a fome, nem serve como agasalho nas noites de frio, mas tristes daqueles que não se alimentam do cantar das cigarras, jamais conseguirão desejar um mundo mais belo e mais justo ( sim a beleza e a justiça são amantes nada secretas). Um mundo de macedos, relvas, e outros lafonténes de vão de escada, sem habilidade para a parábola e cheios de ardis de lupanário.
Primeiro encapelaram-se as nuvens, anunciando o mar bravio. A luz do candeeiro chegou mais cedo. Devolvo o sol na pele, agradeço e recolho-nos entre as folhas. Aninho uma dor pequenina, uma ampulheta gigante revela a areia a escassear no topo. A chuva repousa na terra morna.

sábado, 22 de setembro de 2012

A hora dos Corvos.




Gosto de acordar antes dos outros, como se esse gesto me concedesse um dia a mais, só meu, para preparar o acordar dos outros. É um tempo de silêncio. Um silêncio abandonado, cheio de ideias e planos para as horas cronometradas do resto do dia, ou às vezes indolente e vagaroso, sem objectivo, é um silêncio saboroso; om restolhares de folhas, cheiro a terra molhada e o piar agudo de um casal de corvos. Entre as seis e quarenta e cinco e as sete e trinta, o terreno é dos corvos, piam, voam, sobem aos ramos dos pinheiros e depois descem a pique, saltam no chão e retomam o voo, chamam-se e quando a hora acaba vão embora. Assisto a este ritual há cerca de um ano, talvez até já faça parte do ritual. Há cerca de uma semana algo se quebrou neste ritual. Um dos corvos desapareceu. O outro perdeu as horas. Pia em gemido a todas as horas. Sobe ao cimo do pinheiro mais alto e ali fica parado a gritar pelo outro corvo. Já não há a hora dos corvos, todas as horas são o desespero do corvo. Hoje ainda não chegou, vou ter que encontrar outro som que me devolva o passar das horas, senão perco-me e fico em silêncio.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

losing my religion by Tori Amos

Dois mil anos a renegar o corpo e a venerar uma amputação ficcional.

Vi esta notícia Papiro cita Jesus a falar da sua mulher - Ciências - PUBLICO.PT
já há alguns dias mas demorei a processar o que ela conteria de perturbador. Cristo foi homem, foi tão verdadeiramente homem que pode até ter casado e ter sido Pai. Esta verdade aproxima Cristo da humanidade. Já o sabíamos filho, agora descobri-mo-lo Pai e homem. Este plano parece pacífico. Num momento de profunda crise, aproximar Deus dos sofrimentos humanos poderia ajudar a dar sentido à dor de muitos homens, pais, que se sentem impotentes perante um cataclismo para o qual não foram educados nem têm ferramentas(dentro dos sistemas lógicos existentes) para o ultrapassar. Mas, depois de dois dias a digerir a ideia sem repulsa alguma, começo a olhar para as sombras. A verdadeira questão não é saber se cristo teve ou não teve mulher e filhos, não se trata de escavar o lado privado de uma figura pública e denunciá-lo perante milhões de adoradores. A questão principal é encarar uma civilização que se estruturou glorificando a abstinência, diabolizando e subalternizando o amor físico e que agora terá que se compreender integrando esta possibilidade da experiência física do amor entre Cristo e uma mulher. A humanidade de Cristo traduzida pela unidade entre corpo e alma e não o apelo à amputação do corpo como se esta amputação fosse a única possibilidade de caminho e salvação. As marcas desta narrativa são profundas e transportam a semente de muitas perversões, praticadas por homens ao serviço de uma igreja que lhes impôs um celibato que teria origem na própria vivência de Cristo. Esta notícia liberta o amor físico da sombra e transporta-o para a luz. Simultâneamente cobre de breu uma igreja que ao não escutar a voz do corpo promoveu gemidos de horror destruindo vidas, nomeadamente de muitas crianças abusadas. O suposto casamento e a paternidade de Cristo impõem uma revisão das premissas de toda uma cultura para a qual o corpo foi visto como a zona sombria da existência.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

-A máquina da roupa está sem centrifugar. -E o que queres que faça? Que torça eu a roupa? -Não, só queria que a máquina trabalhasse. detesto quando os objectos se vingam nas pessoas da vida monótona que levam. -Os objectos são isso mesmo, objectos, não se vingam de nada. -Isso julgas tu, lembraste quando o ferro deixou de passar, naquele dia em que eu tinha uma reunião e os miúdos começavam as aulas? E quando o frigorífico deixou de congelar, em pleno verão, num domingo, antes de um feriado? Os objectos podem ser-nos fiéis, como a máquina de café que está connosco há anos sem uma avaria, ou podem ser traiçoeiros, como a máquina da roupa que já se avariou três vezes e sempre em momentos complicados. -Impressionante, para ti até a porcaria dos electrodomésticos sentem, olha a máquina da roupa não centrifuga, pois não? Em compensação tu centrifugas por qualquer coisa... -Incrível, para ti até as pessoas se electrodomesticam.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

David Sylvian, Steve Jansen - Playground Martyrs [The Occurrence of Slope

Ali estava ela. Rosto fechado, olhos tristes, e uma solidão a acompanhá-la naqueles minutos em que todos correm e ela procura a sombra que a torne invisível. A escola é um lugar de crianças que riem mas também é o inferno das que não sabem sorrir. Lá dentro, desenha-se a si própria como um elefante e diz que os elefantes são burros e não são especiais. Ela que é franzina sente-se um elefante. Apetece-me abraça-la mas sei que esse gesto a fragilizará ainda mais, engulo o gesto e descubro um menino que quer ser tartaruga para ter uma carapaça e poder ser lento, misturo-os com o gato tonto e rápido e espero que o mistério da brincadeira encontre um caminho para desenhar um sorriso numa cara que o perdeu. A história termina com um banquete e com uma frase: - Temos que saber ser amigos para encontrar a felicidade. Vamos improvisando saídas de emergência.

Tim Buckley - song to the siren

Quando é que sabemos se nos propusemos a mais do que suportávamos? Quando o choro supera o riso? Quando os braços não chegam? Ou quando se diz adeus baixinho? Amar largar ao largo no mar Perder prender no fundo e morrer. ( aos filhos que crescem voam caiem e tudo)

sábado, 15 de setembro de 2012

Filipa Pais - Praia das lagrimas

O nosso destino é o mar. mar adentro que a terra não nos acolhe. a nossa alma é de sal e lágrimas que o mar nos enrola e ondeia. o mar é a morte e o alimento somos uma praia de mulheres ao negro ocasos e gaivotas a rapinarem restos. o nosso destino é o mar que a terra não nos escolhe.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Cocteau Twins - Crushed

Esmagados. Sem retórica, sem argumentos, sem horizonte Arde um imenso deserto, os filhos do deserto sofrem de miragens. Forças entregues à areia morna. Pressionados, espremidos.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Crise pode criar uma "geração de crianças problemáticas" - JN

Crise pode criar uma "geração de crianças problemáticas" - JN

Vou chamar-lhes filhos da erosão.
Tenho dito isto em vários momentos.
Estão a sufocar o presente, o futuro não terá oxigénio suficiente.
Comprometer a vida das crianças e das suas famílias é uma forma de garantir que a desigualdade se perpetua.
Como Mãe, como mulher, como pessoa envolvida em projectos pedagógicos, peço coragem e determinação para pormos fim a este ciclo infernal de destruição, desmantelamento e sequestro da esperança. Não se pode educar um criança sem lhe dar um horizonte.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Mumford and Sons - The Enemy Full Version (Wuthering Heights)

Gritei santuário dentro de um livro, por ora não suporto o horror. Nem é uma questão de covardia, apenas me repugnam os rostos do mal, não os decifro. Suspendo o gesto, arrecado o vocábulo e nado nas águas mais profundas.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Arvo Pärt - Silentium

A minha geração é 'Cheap and Cheerful'

Chegados ao final da primeira década de um novo milénio, assumimos a devastação, a erosão e a fragmentação, lastros inevitáveis da conjugação entre o marxismo e o capitalismo liberal irregulado. Convém compreender que as guerras geram conservadores. Esta será uma ferramenta importante para interpretarmos o imobilismo ideológico dos últimos 50 anos na Europa. Habitua-mo-nos a olhar o mundo a partir de direitos garantidos, a lógica do wellbeing,wellfare,welliving, corresponde a esta ideia original do mundo ocidental, pós 2ª Guerra Mundial, de que a justiça social é o garante da acalmia, da ausência visível de conflitos. A minha geração é intrinsecamente conservadora, pretendeu limitar-se a gozar a herança, sendo esta herança composta pela paz, a liberdade de expressão, o conforto material, a pluralidade, o direito a , o direito a, o direito a, o direito a nada. Pois é, mas o capital soube compreender e aproveitar. Somos pasto tranquilo, ovelhas mansas, ceia de abutres ( somos devorados porque nos comportamos como mortos). A massa criativa é self-driven, bom precisa de atenção, de muita atenção, é carente de olhares ( e não me interessa nada ir ao Senhor Segismundo para saber porquês e outras inutilidades), assim sendo a sua intenção produtiva não depende de gatilhos exteriores, e é aqui que o senhor Arjo Klamer, um economista holandês, que já leccionou em várias universidades e que tem vários trabalhos sobre o valor das obras de arte perante a proliferação de suportes ( a desafectação do valor real e material versus a valorização subjectiva), vem declarar que nos comportamos como reles e alegres ( cheap and cheerful) A questão que se coloca nos dias de hoje à produção criativa não é a produção em si mas essencialmente aquilo que distancia artistas e potenciais públicos, e a questão da exibição, distribuição, ou seja a capacidade de penetrar no mercado. A proliferação de festivais, encontros, mostras cria eventos repetidos e com objectivos semelhantes, mas cada um tem como alvo um núcleo duro e raras vezes alarga o seu público, ao contrário do que seria de esperar, esta imensidão de acontecimentos não é um sinal de vitalidade é antes um sinal da existência na cultura, como no futebol, de várias ligas, o braço armado da indústria a criar tampões aos independentes, escudos em forma festiva. Imagino que esta ideia seja chocante, quer para quem se envolve nestes acontecimentos quer para quem acha que eles são um símbolo da miríade de opções estéticas da contemporaneidade.Não são, representam a exibição pública da condição de escravos a que nos remetemos. Os escravos devem ser mantidos no limiar da sobrevivência, entre o pão e o circo, para que jamais ousem questionar a sua condição. Estamos entretidos a matar as nossas fomes e enquanto isso ausenta-mo-nos da arena, e a arena é a coisa pública, a praça, o poder. Somos os escravos ideais, produzimos, contenta-mo-nos e não destruímos. Para nos emanciparmos teremos que resolver as, nossas necessidades de partilha e aceitação, suspender a motivação interior e lutar contra o nosso conservadorismo. Se não queremos ficar para a história como os "Cheap and cheerful" teremos que convocar as fúrias e desmanchar o palanque. Reinventar ágoras e assaltar castelos.

Cais - Elis Regina

Desenhos em arco.

Beirut: A Red Hot Loft Show

Vens comigo, se eu for para a rua? Vens comigo? Vens comigo, se eu for mar adentro? Vens comigo? Vens comigo, se eu gritar de raiva e fúria? Vens comigo? Vens comigo, se a minha cara for um poço e a minhas mãos uma adaga? Vens comigo? silêncio silêncio silêncio Ah... Não vale a pena. Aquieta-te que eu regresso depois, depois de viver eu regresso, e então, mortos os dois, poderemos enfim ficar quietos, quietos como os mortos. Vens comigo? ou já morreste?

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

I Found A Reason

O discurso mais aguardado ontem na Atalaia.

Bagão Félix afirma que Passos deu “machadada final no regime previdencial” - Política - PUBLICO.PT

Enquanto alguns ainda produzem afirmações entre a culpa, o pecado e o castigo esperado, ver aqui http://www.ionline.pt/portugal/joao-cesar-das-neves-pelos-disparates-fizemos-estamos-pagar-barato, outros já conseguem vislumbrar que nem para cumprir os propósitos troikikos estas medidas serão as adequadas.

Se o tom liberal comanda, então é inaceitável sobrecarregar os cidadãos com contribuições para serviços que o estado renega, ou que pretende cobrar dupla e triplamente.

Um país adepto do sadismo económico, povoado por pessoas que se deixam açoitar, aceito que cada um obtenha prazer como quiser, mas esta relação doentia está a ir longe demais.

Da Imaginação ao Inferno.

Imagina que não há paraíso É fácil se tentares Nada de inferno por baixo de nós E por cima apenas o céu Imagina todas as pessoas a viverem para o presente Imagina que não existem países Não é difícil fazê-lo Nada pelo qual morrer ou matar e também nenhuma religião Imagina todas as pessoas a viverem a vida em paz Podes dizer que sou um sonhador Mas não sou o único Espero que um dia te juntes a nós e que o mundo viva como um só Imagina que não existem posses pergunto-me se és capaz não ser necessário o sofrimento nem a fome uma irmandade de homens Imagina todas as pessoas a partilharem o mundo Mas não sou o único Espero que um dia te juntes a nós e que o mundo viva como um só E se este êxito de John Lenon fosse uma condenação anunciada? Viver apenas e só o hoje, ignorar o passado e temer o futuro, ir sobrevivendo aos dias. Sem país, sem razão para viver ou morrer,sem paraíso, sem religião, despidos de todos os pertences, sem redenção possível. Condenados ao presente.

sábado, 8 de setembro de 2012

Philip Glass - Movement II

SE olhares muito atentamente para a mais ínfima porção de qualquer coisa conseguirás olhar o universo.(

(Antony Gormley) Por estes dias há uma pergunta que persiste. O que nos torna humanos? A forma? O Espírito? A civilização? O sentido de comunidade? A cultura em constante debate com a natura? As construções? A imaginação? A guerra? A protecção dos mais frágeis? A ambição transformadora?. Não pretendo responder, a construção da humanidade tem sido uma constante encruzilhada, salpicada por passageiros momentos onde a abundância camufla o conflito. Dependendo do momento em que cada um nasceu, a narrativa acerca do presente, passado e futuro vem envolta pelas condições e condicionantes desse mesmo tempo de início. Tenho retomado, mentalmente, muitas histórias que a minha bisavó Hermínia me contava sobre a sua infância. A minha Bisavó nasceu em 1905, era a mais velha de cinco irmãos, numa Lisboa cheia de ruralidade ali nos lados dos Campos das lides ( Campolide). A minha Bisavó recordava-se de o seu Pai ter albergado em casa republicanos que vinham fugidos do Terreiro do Paço, era ela pequenita. A minha Bisavó levava para a escola Pão com dentes, esta era uma das suas brincadeiras ingénuas, o Pão sem nada era Pão com Dentes. Para mim que nasci em 1970 e que vi o consumismo embriagar as gentes que o tomaram por liberdade, estas narrativas eram tão longínquas como os Amores de Pedro e Inês, pertenciam ao universo do "há muito muito tempo". A caminhada em que julgámos estar envolvidos chegou ao momento penhasco, não é possível permanecer no cimo do penhasco, aproxima-se o outono, em breve o mar encapelado deixará de convidar ao mergulho refrescante. A subsistência da espécie humana deve-se ao seu desapego geográfico, quero com isto dizer que sobreviver e caminhar para outros lugares são preposições intimamente ligadas. A ilusão sedentária é em si provocadora de conflitos e de desajustamentos que conduziram à morte de algumas comunidades. Convém aqui distinguir ficção e ilusão, uma ficção é uma construção que parte da imaginação e que propõe lugares outros, paralelos, já a ilusão parte da construção racional desviada, pretende substituir o lugar real por um outro que é o mesmo mas em estado ilusório. As ilusões são sobretudo manipulações das narrativas,e são potencialmente perigosas. Abandonar ilusões sem desprezar as ficções, ou se quisermos, deixar a política para não desprezar a arte. Não proponho um traço único que confirme a nossa humanidade, mas arrisco afirmar que se fosse possível eleger um único, elegeria a Arte, a ficção, o mundo paralelo que não amputa o mundo sensorial, antes o amplia.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A agitação das crianças começa a ser uma característica transversal em toda a sociedade. Do ponto de vista cognitivo as crianças reconhecem e reproduzem as regras, no entanto parece existir um desapego afectivo pela utilização das mesmas, como se à compreensão oral não correspondesse a uma compreensão física dos princípios. Esta realidade terá múltiplas justificações, para os educadores o foco está nas famílias, na sua suposta demissão da tarefa educadora, para as famílias o foco aponta para a escola e para a sua suposta incapacidade em atender às necessidades diferenciadas das crianças. Vale a pena ir para além do arame farpado, a educação de uma criança implica, como diz um provérbio nigeriano, uma aldeia inteira, ora se as aldeias estão diluídas, se as comunidades são entidades fragmentadas e desempoderadas, como poderão as crianças desenvolver-se sem reflectir essa agitação? A agitação das crianças é o resultado do caos em que estamos mergulhados e que escolhemos ignorar, como se fosse possível ser livre para além da segurança. O movimento humano tem sido uma continuada busca por um equilíbrio entre a liberdade e a segurança, sendo que em determinados momentos é visível a preponderância de um sobre o outro, em momentos de grande liberdade a segurança ocupa um plano inferior, e vice-versa. Atravessamos um tempo complexo onde a segurança se tornou ilusória e a liberdade é atacada por uma arma poderosa e interna, o medo. Esta conjugação é o caldo que alimenta a diluição da consciência crítica. Digamos que o ser humano está preparado para prescindir de alguma liberdade se isso significar garantir a sua segurança, de igual modo, será capaz de comprometer a sua segurança se esse for o preço da liberdade, mas renunciar a ambas configura uma situação de abnegação sem recompensa na contemporaneidade. Esta é a tragédia do homem actual, o homem que desejou realizar-se no presente e se vê encurralado e sem futuros. As crianças não verbalizam esta angústia, expressam-na em pontapés, olhares desafiadores, desprezo pelas regras, falta de respeito pelo espaço e pelas pessoas, comportamentos disruptivos. Será demasiado simples catalogar tudo como má educação, a coisa é mais profunda e merece uma atenção que não se fique pelas imanências. Comecemos por reflectir acerca das fronteiras e competências dos intervenientes no processo educativo. Supondo que as crianças podem ser mapeadas como territórios e que as fronteiras podem ser asseguradas por vigilantes que não permitam a livre circulação de ideias e crenças entre a escola, a família e a comunidade, alguns especialistas defendem a separação entre educação e instrução, cabendo a primeira à família e a segunda à instituição escola. Mas esta separação funcional, parte de um pressuposto de divisão de tarefas que seria aplicável a máquinas mas que se torna complicada quando falamos de crianças, o território da escola já não é apenas a instrução, a escola democratizada e inclusiva, não se pode cingir a instruir, este é o nó cego das opções: se a escola quer dividir competências e atribuições com as famílias então terá que deixar do lado de fora todos aqueles cujas famílias não são capazes de cumprir a sua parte do contrato, se a escola se quer democrática e inclusiva então talvez tenha que equacionar outras funções. As famílias não possuem todas as mesmas capacidades, algumas até se poderiam substituir à escola no que à instrução concerne, outras são frágeis até no desempenho das suas competências como providenciadoras de sustento para os seus, mas a própria constituição consagra o direito à ajuda do estado, aliás no artigo 67 está claramente escrito que o estado deve “Cooperar com os pais na educação dos filhos”, quer isto dizer que a escola pública, enquanto instituição que representa no terreno esta cooperação entre o estado e as famílias, pode ajudar a superar as fragilidades das famílias. Esta lógica está longe de ser consensual, e ainda que o seja no plano material, creio que ninguém recusa que uma criança que não tenha capacidade financeira para adquirir manuais e materiais para a escola deve ser subsidiada pelo estado, muitos ainda discordam acerca do papel a desempenhar por cada um quando se trata do total desenvolvimento de uma criança, se no plano moral ela apresenta valores que não são compatíveis com a convivência em grupo e a frequência académica, até que ponto pode e deve a escola intervir? Esta é a pergunta que nos devemos colocar. Quando falamos de escola pública, falamos de uma instituição que tem por missão dotar crianças de diferentes classes, credos e raças com ferramentas cognitivas e sociais que lhes permitam crescer como cidadãos válidos, capazes de construir caminhos de felicidade para si em conjunto com outros. A escola pública sente de forma aguda todas as alterações sociais e económicas que ocorrem nas comunidades, e para que os vendavais não se transformem em furacões vai ser necessário reflectir e agir de acordo com os tempos e os modos, assumindo sem restrições esse papel cooperante, a bem da sociedade. Perante as demonstrações de violência, desordem, desrespeito, disfunção, parece tornar-se evidente que é urgente olhar a escola, o seu território físico e predominância do tempo que ocupa na vida das criança, como uma oportunidade de transformação, a não desperdiçar nesta complicada teia que é a humanidade, num momento crítico como aquele que vivemos. Mas não basta sobrecarregar professores com tarefas e atribuições, essa é uma visão redutora, a escola vai precisar de equipas que consigam responder no terreno, como tendas de campanha em tempos de guerra. Estamos debaixo de fogo e precisamos reinventar abrigos, se na idade média as igrejas eram o santuário, talvez, na época presente, as escolas sejam o seu equivalente, um lugar onde as crianças possam pedir protecção. Convidem artistas, cientistas, anciãos e artesãos, nadadores e carpinteiros, abram a escola, construam pontes, partilhem pão e sonho, vamos deixar as nossas crianças serem mais do que compostoras de conhecimentos alheios, deixemo-las produzir conhecimentos, descobrir na primeira pessoa, sujar as mãos de terra e de farinha e a ponta dos dedos de tintas, a escola baseada no contrato social que se impôs com a revolução industrial já não faz sentido, o sistema que a suportava está em desmoronamento. A ansiedade que as nossas crianças reflectem é um sinal de alarme, as consequências ao nível do desenvolvimento das suas capacidades poderão ser de tal forma demolidoras que as suas possibilidades de independência futura estejam a ser postas em causa. Esta ansiedade, traduz-se num clima de explosão/repressão que impõe um ciclo negativo e improdutivo para todas as partes. Para trabalhar em cooperação, e a cooperação será a melhor maneira de transpor barreiras, para o fazer será necessário incidir a montante e contrariar a cegueira da auto-preservação individualista, não quero com isto afirmar que as crianças devam prescindir da sua individualidade, mas terão que aprender a estabelecer zonas de intersecção com os outros para aprenderem a cooperar. Se a escola pública se quer democratizada e plural deverá ajudar a caminhar no sentido do trabalho em cooperação, ou então altere-se a missão da escola pública e excluam-se aqueles que não revelem aptidões sociais positivas, como está não poderá permanecer, sob pena de se transformar num espaço inútil e esvaziado de conteúdo.

O Arrebatamento de Elias

Este Arrebatamento de Elias é a melhor tradução para o que se passa neste início de milénio. Um convite ao abandono e a generosidade sobrevivente de abraçar o abismo incógnito.