terça-feira, 30 de julho de 2013

Na nossa frente desmaia um regime exausto.






O lamento que jamais seria de ninfa
a morrinha de arrastar  correntes não visíveis.
detonar-me na praça
que os meus estilhaços quebrem as vossas vidraças
o canto feio de uma coisa por cumprir
o canto frio de uma promessa anunciada.

















http://www.youtube.com/watch?v=Tdx7Yp1Mbpk

sábado, 27 de julho de 2013



                                Ergui o muro.
                                Montei guarda.
                                Vigiei incansável
                                Ainda assim passaram
                               Eram de água e não os detive
                               a identificação liquefeita
                               sob sóis e estios evaporaram-se
                               aguardo invernos que os solidifiquem.









http://www.youtube.com/watch?v=dRR3WzExrZo

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Portugal não é uma Terra-Mãe. Portugal não é uma Terra. Pai. Portugal é uma Terra- Meretriz

 Esta notícia, como outras  com conteúdos igualmente desacreditadores, fornecem o combustível para que a verdadeira sociedade das corporações, consiga reduzir a política, a democracia e a noção de comunidade, a uma mera inutilidade dispensável. http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/swaps/detalhe/swaps_troca_de_emails_confirma_que_ex_director_geral_do_tesouro_informou_maria_luis_albuquerque.html.
O jogo já não é de alternâncias, embora, pessoalmente prefira alternativas, o jogo é de quem tem as cartas, a mesa, o queijo, a faca, os ratos e os restos dos outros.
E quem não alinha, melhor fora que se matasse, assim seria um vencido e não um combatente.
A coerência, a consistência, a verosimilhança, a verdade, a ética, a solidariedade, todos estes conceitos, se tornam fluidos perante a sobrevivência, mas não se trata de manter um corpo são ou uma mente sã, trata-se de manter um polvo vivo.
Pugnar por uma consciência onde o respeito pelo outro se sobreponha ao medo da vingança dos poderosos, foi sempre um caminho de solidão, hoje é um caminho perigoso.
E ter moedas para comprar salvos-condutos  é a única forma de garantir imunidade, mesmo perante crimes, traições, mentiras e outras pequenas falhas.

Tudo o que tem acontecido em Portugal seria suficiente para dissolver o país, nem digo para dissolver a AR, que essa já se transformou no comboio fantasma, falo mesmo da ausência de dignidade de um povo que permanece serenado no meio do turbilhão, um povo que acolhe o furacão e o aninha, encolhendo ombros pesados de fados arrastados, na beira das praias de onde já não partem marinheiros.

Portugal não é uma Terra-Mãe.
Portugal não é uma Terra. Pai.
Portugal é uma Terra- Meretriz


.http://www.youtube.com/watch?v=_fcdtobvmAM



terça-feira, 23 de julho de 2013

Somos dezenas, centenas, milhares, milhões.






Dizem que  a beleza supera as raivas, mas nem a beleza domina as fúrias.
As Danaides pararam e recusam-se a carregar água.
Alecto apoderou-se dos meus passos e já só me restam as mais abjectas vísceras, disponho-as sobre a mesa por escassearem as iguarias.
Nas costas, restos de punhais, nas mãos, vento em remoinhos, no peito o silêncio num esconjuro que em breve se animará numa vaga.
Somos dezenas, centenas, milhares, milhões.
Já ponderámos e arrepende-mo-nos, já cedemos e ainda assim suplicamos a sobrevivência, já ofertámos a nossa nuca em gestos sacrificiais e a nossa morte não aplacou os deuses.
Somos dezenas, centenas, milhares, milhões.
Ainda sem fome mas já sem alimento
Ainda sem frio mas já sem casa
Ainda com o dia de hoje mas já sem futuros.
Aos nossos filhos serviremos a descrença em gotas ou em golfadas conforme os dias, aos nossos pais dedicaremos os nossos fracassos com dor e com sangue, aos que jogam com as nossas vidas soltaremos a memória de Tisífone até que por fim, quase sem vida, compreendam que a dor não se oferece.
E quem prefere verdes prados, resta-me falar do sangue que de flores não me convém

http://www.youtube.com/watch?v=RHhcsL-3WjE





















sábado, 20 de julho de 2013

António Raul





http://youtu.be/0vzIFrfvbh0








                                                           ( Ramon Casas)



Havia naqueles dois qualquer coisa de desfasado, a forma como se tratavam, a irrepreensível arrumação da casa, a ausência de televisão, computador ou telemóveis, eram ao mesmo tempo uma  crença e uma fuga.


Os filhos tinham nascido numa altura tardia, mas nem por isso alteraram a rotina impenetrável dos pais.

Os rapazes, com precisamente nove meses de diferença um do outro, tinham partilhado a casa com os pais até terem idade para frequentarem o colégio militar em regime interno, depois uma residência reservada a jovens da obra, ali para os lados do Campo Grande, serviu-lhes de abrigo até terem cada um a sua vida, um partiu para Espanha, onde fez o curso medicina e o outro entregou-se ao serviço de dEUS, até ter sido apanhado por uma mina numa escola campal no meio de Moçambique.

Eles permaneceram na mesma cidade que os tinha visto nascer, os anos, a revolução e as mudanças de regime, fizeram-nos perder primeiro o emprego dele como tesoureiro da empresa da família e depois, gradualmente, os bens, mudaram de casa e confinaram-se a um T1 atafulhado de mobiliário antigo, imponente e sufocante.


A horas certas serviam um chá, ainda no serviço de prata, e nas porcelanas mais finas  e delicadas, fora a única refeição que jamais quiseram eliminar, todas as outras eram habilmente contornadas, mas o chá mantinha-se.

Preparava-se o bolo, as pequenas sandwiches de pepino, o Earl grey ( pelo menos a lata  era da Twinings) um fiapo de leite e ambos se sentavam frente a frente, todos os dias, trocando palavras triviais, sobre o tempo e os tempos. 

Ela evidenciava um alheamento que poderia ser quase encantador, nada sabia sobre política,  negócios, a vida das vizinhas, literatura, música ou qualquer outra coisa.

Quando ele a interpelava a discussão não era estancada sempre com a mesma  frase:
- Sabe, o meu adorado Pai, disse-me várias vezes que os meus caracóis dourados não durariam para sempre e que talvez me fosse útil ler Eça, agora já não devo ir a tempo, pois não? O que lhe parece  António Raul?

Ele cumpria uma austeridade implacável há mais de trinta anos.

Trabalhou secretamente na Casa Frazão, sem que ela sequer imaginasse, vivia durante a semana num quarto alugado, na Rua do Arsenal, regressando de comboio à sua pequena cidade todas as sextas feiras.

Foi nesses tempos que conheceu a Espanhola.

Na verdade ela nem era Espanhola, mas como tinha por hábito comprar tecidos com bolas e pintas, sobre fundo liso, vermelho ou preto, ele alcunhara-a com Espanhola, aliás, fazia questão de a atender sempre em espanhol.

Foi no final dos anos oitenta que lhe perdeu o rasto.

Um dia ela entrou na loja e disse-lhe :
- Mira Raul, ahora me voy a vivir muy lejos,  muy lejos de ti. Adiós. 
Ele ainda saiu da loja atrás dela, mas um táxi esperava-a e arrancou acelerando.

Raul reformou-se antes de tempo, chamaram-no ao escritório e ofereceram-lhe uma quantia para se ir embora:

Um rapaz novito e sagaz, olhou-o e depois de um silêncio premeditado, comunicou-lhe:
- O Amigo Raul, vai desculpar a minha franqueza, mas as suas skills já não estão adaptadas aos desafios do marketing actual, a clientela mudou muito.
Raul engoliu em seco e saiu do escritório.
Deambulou horas a fio. Em cada mulher julgava reencontrar a sua espanhola. Mas ela tinha ido para "lejos".

Há pouco mais de seis meses recebeu uma encomenda postal. 

Lá dentro um telemóvel.
Julgou que fosse um cuidado distante do filho médico.
Pediu ajuda ao rapaz que transportava as botijas de gás, e lá conseguiu ligar o objecto.
Minutos depois a sua primeira mensagem recebida:
-Ola cariño, te acuerdas de mi? 

Raul era agora um senhor magro de bigodes retorcidos, que o tinham acompanhado desde a idade dos trinta anos, a austeridade e o silêncio tinham mantido aquela paixão durante vinte e três anos.

Para a viver bastava-lhe sair de casa diariamente depois de cumprido o sacrifício do chá, aninhar-se debaixo de uma árvores e dizer as palavras todas, protegendo-as dos ouvidos curiosos, com as mãos em concha, mas revelando-as num menear delator.

terça-feira, 16 de julho de 2013

um dia branco.





http://youtu.be/E_hR9dYhS4s

Sabias do meu amor pela queda
Não ocultei o abismo, preferi dedicar-to.
Empurrando o baloiço, cuidei empurrar o mundo e o medo
mas eles voltam sempre, os pequeninos demónios
os coisas do passado por tratar
se habitássemos um presente 
 um hoje repetido,
sem memória, sem desejo.
sem perdão nem promessa
um dia branco.

                                                                



quinta-feira, 11 de julho de 2013

morder o crepúsculo

mordo um crepúsculo e nele busco um silêncio mental.
o não verbo, a não acção, o não gesto, a não vontade.
morri tantas vezes quantas o astro se deitou nas águas longínquas.
espera-me a madrugada e a sua clarividência momentânea.

                                           
                                           (James Abbott Mcneill)

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Beth Gibbons - Resolve





Há no amor burguês um compromisso social claro, este compromisso é o  cimento social sobre o qual a sociedade burguesa se manteve e  se perpetuou.
Existem regras bastante claras para participar neste esquema e convenhamos que quem nele se move e é bem sucedido, nem sequer questiona a verdade interior e o seu valor.
Apresentar-se sorridente, enumerar pequenos feitos dos pequenos infantes,conquistas materiais, comparar discreta mas claramente, todas as posses, exibir criancinhas aprumadas, mulheres enfeitadas e homens com relógios possantes, carreiras narráveis e colecções de objectos/trunfos.
 Claro que dependendo do degrau da burguesia em causa, estas exibições podem ser mais ou menos estridentes, com maior ou menor grau de bom gosto, acompanhadas por actozinhos de contrição e conversinhas sobre voluntariado junto dos pobrezinhos, no fundo interessa é exibir o tamanho do pénis, e perdoem-me os mais sensíveis, mas a hipocrisia reinante nesta faixa da sociedade é-me repelente.
São gerações após gerações a serem preparadas para a pequena mentira, para a pequena omissão, para o desprezo por aqueles que não cumprem os requisitos formais, gerações e gerações educadas a catalogar o outro mesmo antes de o conhecer, melhor, sobretudo antes de sequer conhecer o outro, treina-se um julgamento à priori, baseado em critérios definidos e definitivos.
Estas características são o garante da manutenção de uma classe que se deseja e comporta com uma superioridade alucinante.
Nestes círculos ninguém é abraçado por estar a passar um mau bocado, estes lobos escorraçam o lobo doente, nestes círculos as festas acabam quando os pénis deixam de poder ser comparados, ou quando a comparação se torna obscena pela pujança viagrense de uns face à tristeza diminuta e natural de outros.
Falta-lhes e faltar-lhes-á sempre a beleza simples de um linho branco e de um pão amassado e partilhado.


Um silvado distante confirma a morte.

http://youtu.be/8KCXn9yenHQ

Amar é uma declaração da vontade de estar no presente
Pode amar-se um passado mas só em silêncio e memória
Amar é sempre hoje.

domingo, 7 de julho de 2013

A sinceridade e a emoção como fontes de instabilidade.(dedicatória especial ao mais recente casal por conveniência)




                                            http://youtu.be/aF32tk9r62g


                        Introduzir a equação amor num sistema familiar implica incorporar riscos tóxicos.
                        As famílias estruturaram-se durante milhares de anos a partir de outras premissas, premissas funcionais e não emocionais. O casamento era uma forma de promover coesão social, de implicar os seus intervenientes na defesa de territórios, bens e pessoas.
O Pater familias representaria esse eixo estruturante em torno do qual o clã, se uniria, fosse para se matarem ou para sobreviverem.
O Amor era uma outra coisa, uma febre dos fenos, daquelas que se curavam longe de casa.
                      O produto destes casamentos, fossem bens ou filhos ( a diferença não era significativa)  serviria para manter a continuidade de um esquema de sobrevivência, conveniência e estabilidade formal.
É a entrada do amor nesta lógica que vem desestruturar as famílias,  ao amor vem associada a inquietação, a duvida, querer saber o que o outro sente, querer saber como o outro sente, nada disto é funcional.
Os filhos e as mulheres  deixaram de ser propriedade dos seus pais e maridos e passaram a ter identidade, personalidade, e essas identidades chocam umas com as outras, num sistema cuja funcionalidade se questiona pelo menos desde os anos 60 do século XX.
Abandonado o formalismo, a família mergulhou num drama que é demasiado subjectivo para ter uma solução evidente.
Aquilo que cada um sente é a sua verdade, a funcionalidade de um sistema é assegurada pela sua racionalidade, amar é sempre irracional.
O formalismo protegia as pessoas das expectativas, não seria expectável, em pleno século XIX um jovem ser compreendido pela sua família(salvo raras excepções), que uma mulher tivesse suporte para afirmar a sua identidade( mais uma vez salvo raras excepções) ou que um homem revelasse o que lhe ia na alma. Excluindo as emoções, os casamentos foram estruturas capazes de manter sociedades funcionais.

((dedicatória especial ao mais recente casal por conveniência)

sábado, 6 de julho de 2013

o regresso à escravidão.

http://youtu.be/i-X6x7mj81g



Este é o tempo ideal para os predadores de homens 
Culpabilizando as aspirações
recusando a dignidade.
Uma força de trabalho fragilizada e dependente,
dívidas colaterais, futuros interrompidos.
Abutres, hienas e gaivotas, proliferam.
Fica-me uma dúvida, quais as características de adaptabilidade dos seres mais antigos do planeta terra?

( Fotografia de Rachel Sussman / The oldest living things in the world)


sexta-feira, 5 de julho de 2013

Fiona Apple - I Want You (Live)



http://youtu.be/99X1GPQRFrU

A tontura desvia o raciocínio
Encontro-te num canto improvável
A lógica desfavorece-nos.
a brisa salvífica reconduz a mente.
não pronuncio o nome, não te nomeio
assim permaneces por amar
assim permaneces improvável
invades a lógica, derrubas o raciocínio
reencontro-te na minha pele
ainda por nomear, ainda por amar.


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Olhos abertos






Podia cerrá-los

http://youtu.be/LD137cd7Cw0

Depeche Mode - A Question Of Time (Remastered Video)

Esta notícia, http://www.precariosinflexiveis.org/?p=7334, revela, ou despe, ainda mais as intenções de todo este redesenho sócio-económico, após décadas de incentivo ao consumo, assentando esse incentivo numa retórica de defesa da economia, agora as populações são intimadas a não sobreviver.
Impedidas de promoverem alternativas aos canais de consumo, controladas, manietadas e esfomeadas, as pessoas vão transbordar, e esse transbordar, numa ira contra partidos e políticos, vai validar uma nova ordem, imposta à força, um controlo que não se sujeitará a escrutínios.
A violência da rua trará  consigo as soluções antidemocráticas.