domingo, 27 de julho de 2014

As Lições de moral dos invertebrados. A ética segundo as hienas.





Quando um acontecimento/ facto abala a relação de forças entre vitoriosos e derrotados, poderosos e submetidos, é um bom momento para reflectir acerca da perspectiva validada pela comunidade sobre ética e  moral.

Sabendo que ambas dizem respeito aos costumes, provindo uma do grego (ethos) e outra do latim (mores), é   possível estabelecer diferenciação, apontando para duas heranças, a aristotélica e a kantiana.  A finalidade da  Ética é a busca por " uma vida boa, com e para os outros, em  instituições justas" ( segundo Paul Ricoeur) e a Moral  é o conjunto de preceitos, normas e obrigações que regem a conduta humana em sociedade.
Enquanto a Ética trata do Bem e do Mal, a Moral ocupa-se do Certo do Errado, a produção da ética é a reflexão  e a da moral  a acção.
Se me aventuro por terras que não são minhas é porque a mente dispara memórias recentes de discursos proferidos por figuras conhecidas, repletos de culpas, castigos merecidos, dedos em riste, pretensões de superioridade moral e desprezo congénito.
 Quem são os moralizadores mais escutados, que moral os rege, que ética os sustenta?
Como suportaríamos,  na nossa comunidade  e no tempo presente, a noção de "Vida boa, com e para os outros, em instituições justas"?
Que perguntas teriam resposta fundamentada através de acções que traduzissem a moral que nos rege?
Esta ausência de questionamento dissociou a prática da moral,  ora a moral não é senão a ética em acção, portanto, deveria ser o seu corpo, daí que , ou a moral se alterou sem uma consciência colectiva que a  tivesse validado ou então a prática denuncia uma moral que poucos se atreveriam a verbalizar ainda que ajam em concordância.
Dir-me-ão que os tempos sempre foram turvos e que a distância entre o verbo e o gesto sempre reflectiu a necessidade de um código moral e de sua regulação e vigilância através da lei e da sua aplicação mas eu não habito outro tempo que não o meu e digo-vos que se me questionassem não saberia atestar onde está o Bem ( ética) e o Certo(moral) pois há em em mim um abismo de onde não sei sair sem recorrer a Manchaeus, e este retrocesso depois de bebedeiras niilistas e aspirações cépticas é aterrador.
Oiço o riso das hienas com o mesmo nojo com que ouvi as lições de moral dos invertebrados.









quarta-feira, 23 de julho de 2014

A matéria das madrugadas

Balthus
Sleeping Girl



https://www.youtube.com/watch?v=PURIZRhHyE4







Se o néon apontasse a saída de emergência.
Se o comboio se demorasse mais uns minutos em cada estação
se os dias fossem feitos da matéria das madrugadas,
a madrugada do acordar,  outra que não a madrugada do não dormir.
Se a luz crua da manhã não revelasse o odor a carne em putrefacção,
a mesa posta, a toalha branca e a carne podre.











terça-feira, 15 de julho de 2014

Desendeusaram-nos o mundo.

Francis Bacon
Figures in a landscape.





Sabes, desendeusaram-nos o mundo
depois declararam um império de verdades comprovadas,
arrancaram a ilusão, abortaram a esperança
e legaram-nos a sombra sem redenção.
Tinha na tua boca o  universo
mas elegemos o silêncio

https://www.youtube.com/watch?v=yrcz_l8B7-w&list=ALBTKoXRg38BDV4CBZV5_sZBxx9qle5j1_&index=2




sábado, 12 de julho de 2014

tenho por hábito falhar



Tenho por hábito falhar
(palavras submersas para um filho adulto)

Troquei o regaço pelo regato e mergulhei
desaguarei quando vencer o lodo
espera-me numa qualquer orla
mesmo sem me veres.
posso não chegar
tenho por hábito falhar portos
tenho por hábito falhar
tenho por hábito falhar
arrancarei avencas no regato para te levar
descerei a correnteza de mão cerradas
posso não chegar
que o regato é traiçoeiro
e o mar é aberto
e eu tenho por hábito falhar.
Henri Le Sidaner.






https://www.youtube.com/watch?v=1k_DF_RohcM