sábado, 5 de outubro de 2013
Porque se zangam as pessoas?
A tradução popular do individualismo não esclarecido poderia ser a frase "trata é da tua vidinha e não te preocupes com a política", este mote pautou e pauta o exercício da cidadania de milhares de portugueses.
Esta noção de que o tratar da vidinha é incompatível com a consciência política revela o abismo entre os cidadãos e os governantes. Esta separação entre aquilo que deve ocupar cada um, colocando em lados diferentes, as pessoas e os políticos, foi a pedra basilar para a não monitorização da condução da democracia. Os cidadãos deveriam apenas comparecer nas alturas devidas nas urnas para legitimar o regime, um regime que reivindicava a orientação popular ( republicana) mas que esgotava a relação com os cidadãos num orgasmo com hora marcada e sem direito a noite nem a escova de dentes na casa de banho.
E os cidadãos que tinham falta de cultura democrática, lá iam tratar das suas vidinhas, e tudo correria tranquilamente não fosse a falta de liquidez que arrancou com violência, inédita nos últimos 35 anos, os cidadãos dos centros comerciais e os forçou a regressarem às praças.
Hoje quase todos opinam, opinam os que sempre participaram, os que nunca participaram e aqueles que perderam as vidinhas, e porque opinam?
Estão audivelmente zangados, e porque se zangam as pessoas?
Zangam-se porque a ética, a noção de bem comum e o serviço público, não fazem parte do modus operandi dos eleitos para gerirem e decidirem o presente e o futuro.
Era bom sinal.
Mas temo que se agora nos chovesse um qualquer ouro de um qualquer Brasil, toda esta consciência social se diluiria.
Se a maioria dos cidadãos pudesse regressar às suas vidinhas, os outros poderiam manter-se sem serem prescutados. E este temor apavora-me mais do que a implacável certeza do terror e da miséria.
Apavora-me que seja possível praticar todo o tipo de maldades sobre um povo, contando que este possa iludir-se saboreando as migalhas, apavora-me que a consciência da necessidade de justiça, de equidade, de coesão social, esteja directamente dependente da quantidade de bens de consumo a que se tem acesso, da possibilidade do exercício de um individualismo bacoco que é muito mais uma demissão da consciência do que a construção de uma sociedade de indivíduos que superam a tribo e assumem o seu destino e a sua autoregulação.
No fundo, sei que se o Jardim arranjasse euros para despejar na Madeira, talvez os madeirenses ignorassem a ausência de cultura democrática, se o Machete trouxesse uns diamantes angolanos que nos livrassem da troika, Angola receberia um prémio de direitos humanos e uma comenda presidencial, ante o aplauso apalermado de uma turba lambuzada.
Se as pessoas se zangassem perante a exibição despudorada da ausência de ética, teriam que se ter zangado durante as últimas décadas com muitos dos governantes que endeusaram, teriam que se zangar consigo próprias por terem escolhido a cegueira selectiva e não terem exercido a cidadania esclarecida e atenta.
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As pessoas zangam-se porque foram transformadas em cães a quem tiraram a árvore e reduziram a ração, que ladram mas não mordem.
ResponderEliminarum destes dias um cão, daqueles que nunca ladraram há-de morder.
EliminarMas só quando a ração acabar, até lá hão-de entreter-se a roubar a ração uns aos outros.
Mais a uns do que a outros.
ResponderEliminarÉtica? É legitimo falar de ética?!
ResponderEliminarÉ legítimo, por enquanto.
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