domingo, 1 de janeiro de 2012

Mãe, Porque é que não há nenhuma Avó na cadeira de baloiço?

Mãe, Porque é que não há nenhuma Avó na cadeira de baloiço?




A Mãe do Baltazar entrou em casa já a noite tinha descido.
Trazia os olhos cheios e a mala aberta, os óculos de sol a segurarem-lhe o cabelo, revelando um dia atribulado.
– Por favor, preciso que desçam comigo, está lá em baixo a minha prima Bli e também está de rastos.
O Pai do Baltazar, apoiou a mão no queixo e o cotovelo na beira da mesa, depois desalinhou o cabelo e continuava sem compreender.
– Espera, então porque tu tens uma prima, de quem nós nunca ouvimos falar, que está lá em baixo de rastos, nós somos forçados a sair da nossa própria casa numa antipática noite de Outono?
O Baltazar já sabia o caminho das palavras, levantou-se e foi procurar umas botas para acompanhar a Mãe.
– Mãe, encontrei duas botas iguais, mas são do Pai, se as apertar com muita força não me caem dos pés.
Os Pais tinham começado o seu jogo de lançamento de vocábulos bicudos e quando o Baltazar regressou à sala, o Pai riu e a Mãe já não riu, perante a sua figura tonta, magra, de cabelos encaracolados e botas desmedidas.
Desceram os três até ao Rés-do-chão, a Mãe tinha ido buscar uma fotografia à gaveta dos “umdiaquandotivertempo”, uma gaveta que albergava tralha e tesouros e coisas por catalogar.
No carro, estacionado mesmo em frente ao prédio, por baixo de um sinal de proibição de estacionamento, estava a Prima:
– Olha Mãe, eles também devem gostar de jogar aos vocábulos bicudos, já viste a cara deles?
– Baltazar!
– Sim, Baltazar, deixa lá a tua Mãe exibir os seus trunfos burgueses, um marido bem apessoado e um filho lindo e educado, vá, não arruínes tudo, nem tires nenhum gorila do nariz!
Enquanto os Pais trocavam palavras com os recém aparecidos parentes, o Baltazar saltava com as botas do Pai dentro das poças de água e dançava, agarrado às árvores nos canteiros enlameados.
O Baltazar ía pensando que talvez fosse bom ter alguns parentes, assim os Pais deixá-lo-iam saltar em poças de água e calçar botas gigantes.
O Pai subiu sozinho com a cadeira de baloiço, o Baltazar e a Mãe, esperaram o elevador subir e voltar a descer, nesse tempo, a Mãe viu a lama nas botas. Não se zangou, nem cuspiu fogo e o Baltazar comprovou, dentro de si, que ter primos faz bem.
No último andar do prédio mais alto da Avenida, o Baltazar, a Mãe e o Pai, perderam vários minutos a contemplar a recém-chegada, a cadeira de baloiço.
Toda de Madeira, castanha escura, contrastava com o branco minimal que a envolvia.
A Mãe foi buscar a fotografia que tinha levado para mostrar à prima.
Nela, uma senhora de cabelo grisalho, apertado num carrapito perfeito, lia um livro; no chão, sentadas nuns pequenos coxins de veludo, duas meninas, irrepreensívelmente vestidas, laçarotes de organza nos cabelos longos e esticados, exibiam sorrisos contidos.
O Pai estava assustado.
– Tínhamos combinado que a nossa casa era uma janela para amanhã e sem atavios de ontem...
Na maior parte do tempo o Baltazar tinha que imaginar o que os pais diziam, ninguém falava para ele, ainda que falassem com ele, as palavras não eram ajeitadas para ele saltitar nelas, o Baltazar tinha que dar passos maiores do que as pernas para acompanhar as conversas.
Aquele era mais um momento desses.
Atavios de Ontem, o Baltazar gostava do som, atavios de ontem
atavios de ontem – disse ele – Mãe, eu gosto de atavios de ontem, sabem a chocolate ?
– A Mãe sorriu-lhe e desalinhou-lhe o cabelo.
– Baltazar, atavios de ontem, são memorabilias
– Ah … Pois, isso é comida italiana?
– Não, Baltazar, são objectos que valem pelas memórias que nos trazem, compreendes?
A Mãe foi buscar um livro, “Alice no País das Maravilhas”, a encadernação e a cor amarelecida do papel, indicavam tempo passado. Aqueles objectos não eram muito habituais em casa do Baltazar.
Os Pais tinham o passado higienicamente guardado, não arrastavam tralha.
A cadeira de baloiço mantinha-se fora de tom, parecia plantada no centro da sala. Era incontornável e muito estranha. Como um extra-terrestre, ali no meio da sala.

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