sábado, 23 de novembro de 2013

Fazer pontaria e errar o alvo.





Deixou de ser necessário anunciar que a crise se entranhou na nossa pele, mesmo os mais renitentes mesmo aqueles que se julgavam a salvo dos efeitos da austeridade já esbarraram de encontro ao muro e foram forçados a admitir as consequências.
Durante anos os avisos sobre o caos que se aproximava foram desprezados pela maioria dos cidadãos, e o seus portadores tratados como Cassandras.
Agora que é consensual é vê-los a saltarem de lado, escuta-mos-lhes as palavras arrebatadas, as acusações impiedosas, agarram-se aos sinos e fazem-nos soar a rebate, quanto mais se comprometeram com o sistema mais alto gritam, como se assim afugentassem a memória e garantissem o salvo conduto para o tempo seguinte.
Estou farta de os escutar, farta de os ver, farta de assistir as ovações com que os premeiam.
Não é difícil falar do furacão quando o seu olho se anuncia, difícil é antevê-lo e deslocar as populações para abrigos quando o vento ainda não sopra.
Agora, dizem, é tempo de convergir, mas convergir em quê? Em tirar de lá este governo?
Sim, esse é o objectivo agregador, diabolizar unipessoalmente o PPC e fazê-lo encarnar todo o mal, como se o mal pudesse ser aquartelado e posto de quarentena, e finda a quarentena regressassem por milagre os amanhãs cantantes.
Ide para o diabo, vós e a vossa retórica. Os vossos arrobos são a face  do vosso medo, os vossos ímpetos revolucionários têm dias contados e voltam ao esquecimento assim que recuperarem o poder.
O governo tem que cair? sim mas não para ser substituído por um outro que se lhe assemelhe.
Olhem à volta, leiam o que se passa em todo o ocidente, pesquisem para além das notícias ruminadas que vos são oferecidas.
Brian Rea.
Este pode ser o momento para escolher um caminho, mas não basta seguir as setas, vai ser preciso desbravar.
É aí que as convergências se desfazem.
Com um mal corporizado num débil mental com laivos de sadismo, a raiva conflui, proveniente de quadrantes antagónicos, depor o governo é uma solução concreta, palpável, parece até poder restituir a esperança na possibilidade de um caminho que não implique uma transformação radical. 
Como seria bom acreditar nisto.
Saíamos todos à rua, galgávamos escadarias e livrava-mo-nos do mal, e num passo de mágica o céu abria-se e a manhã seguinte seria de harmonia e esperança.
A ingenuidade desta crença seria louvável caso não fosse uma forma de desviar a energia e a acção para uma periferia dos problemas, quando estas deveriam fazer alvo ao centro nevrálgico.
Os perigosos e alucinados vaticinadores de tempestades continuam a falar de um tema que ainda não é encarado como central, o poder desregulado das corporações e de como este se sobrepõe ao poder executivo dos governos, sejam eles nacionais, federais ou continentais.
A liberdade reclamada por estes agentes económicos, pressupõe que as corporações gozem de protecção, de direitos e garantias que se julgaria serem exclusivos das pessoas e não das empresas, existem precedentes jurídicos que consubstanciam esta afirmação, as corporações exigem protecção que negam aos cidadãos.
Estamos num momento grave da história humana, e já não basta mudar a cor política dos governantes, é essencial enfrentar o monstro em si, a concentração de poder e de domínio económico que destituiu governos e impõe a indignidade como regra para os não poderosos.
E para quem acha que esta é uma divagação e que se pode ir por partes, continue em processo de negação, em breve a realidade vai entrar-lhe pelos poros como entrou a austeridade, esperem pelo cheiro fétido incrustado nas narinas e depois então dêem as mãos e rezem, mas  aos deuses todos.
As consequências da ignorância selectiva vão devastar várias gerações.

  

4 comentários:

  1. Um texto excelente e imperdivel.
    O dedo na ferida: fazer pontaria e errar o alvo e levar com o coice da arma...
    Será a História a julgar uns e outros.

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    1. A História não julga, ou melhor o tempo não se auto-problematiza, os humanos é que o tentam decifrar utilizando sempre códigos cronologicamente desadequados.
      Obrigada, Boa continuação de FDS

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  2. Os crentes, os optimistas, os inconscientes, os bem instalados, ninguém via o óbvio. Um óbvio anunciado há, pelo menos, duas décadas.
    Agora, alguns, qual baratas tontas, abrem a boca, num espanto.
    Outros - muitos pertencentes ao grupo dos que adivinham - gritam, e insurgem-se, e falam, falam, falam, num falar que leva à náusea
    Outros? Outros continuam, de forma obscena, a viver a melhor das vidinhas.

    A História, julgue ou não, não poupa o sofrimento do hoje, do agora, do amanhã.
    Boa semana.


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    1. Absolutamente de acordo, alguns continuam de forma obscena a viver a melhor das vidinhas, e ainda por cima desde que tenham muito para gastar conseguem sempre promoções fantásticas, até estas se destinam a quem mais tem.
      Boa Semana, GL.

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