domingo, 29 de dezembro de 2013

Deixar de querer ou deixar de crer.







( Mary Cassat  
Terminado o tempo contabilizados os danos, sobram flores silvestres e alguns amores selvagens. Tudo foi a inútil consequência de querer
 impor vontade ao mundo e o mundo não se domestica.












sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Assistir ao mundo





Assisto ao mundo.
Lá fora, combatem os ramos ensandecidos
na derradeira batalha, Zéfiro destrona as folhas.
Nuas, as árvores acolhem o solstício.

E há uma promessa lunar
o tempo desenha os seus infinitos
os rios transbordam,
 os humanos desabam,
e eu assisto à vida



                                                                                                                                                Luca Giordano
                                                                                   ( Semiramis)

http://www.youtube.com/watch?v=UzzCthKw_C0

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

E se a noite me apanhar antes da palavra punhal serei gota vermelha no fio da lâmina









E se a noite me apanhar antes da palavra punhal
serei gota vermelha no fio da lâmina
largo as vinganças que aninhei no regaço
lanço a barca, iço as velas
que um porto me acolha depois da exaustão
sem memória sem gerúndios
apenas um dia na sua finita plenitude.











http://www.youtube.com/watch?v=UrMuIYmJ4Y0

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

The quiet boy.



The quiet boy wakes up every morning without protesting, he washes his face and gets dressed all by himself, then takes his healthy breakfast in a silent mood

 The quiet boy goes to school driven by his parents, it´s a 20 minute ride, always spent in absolute silence.
When he arrives there, he greets his mates and teachers and even all other grown ups.

The quiet boy is always paying attention in class, he does all tasks his teacher asks him to do and never ever fools around inside the classroom.
He waits patiently for his turn, never forgets to raise his hand before speaking and never makes any disturbing noises.

During recess  the quiet boy prefers the library, but only after he eats all the veggies his mother sends him everyday.
If and when he needs to use the toillet he waits orderly for his turn.
When its time to go back inside, the quiet boy is always the first in line.

At lunch time the quiet boy always eats everything, even turnips. In the caffeteria he keeps his voice low and minds his manners. After eating he goes to play with his friends, but before he never forgets to wash his hands and teeth, his mamma gave him a travel tothbrush and he keeps it safely in his pocket.

When recess is over and everyone is complaining about going back, the quiet boy goes smoothly tho his classroom eager to learn and work again.
He stays inside all afternoon and sometimes by the end of the schoolday he asks his .eacher if any help is needed.
 Under his table there is never any garbage.

While he waits for his parents to pick him up he reads a little and drinks some semi-fat milk.
When his parents arrive he greets them with a gentle kiss and gets in the car, they always listen to classical music on their way back. After school he takes his swiming lessons, his yoga class, his piano lessons and his mandarin course.

When he finally arrives home its always time for his bath, his homework and his meal, and he does all theese willingly and quietly. After doing all his chores he gets to spend some time with his parents in the living room, sometimes they all read, other times he plays the piano and his parents quietly listen, sometimes he and his father play chess, and when the night falls they all go to sleep, all night long, with no nightmares nor sudden awakes.

The next morning, its early to rise and it starts all over again, smoothly and quietly, no matter if its monday or thursday, it all works like a swiss clock.

During weekends the quiet boy spends a lot of his time reading in the silence if his bedroom, snd going through notes he takes at school, so that in the next week he can be prepared for any surprise test, and absolute sure he learns everything he is supposed to learn.
Sometimes, when its not raining, the quiet boy goes out for a walk, he prefers long and silent walks by the riverside.
At times he asks his mother to buy him a new book but if the mother says no, he never insists nor does he complain.
The quiet boy really enjoys being quiet for long periods of time. When he grows up he will eventually turn out to be a quiet man.
But if you would ask me, I'd say the quiet boy is...

                                            (ilustração Miguel Gorjão Clara)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Tripalium vs Labor (texto 1)



A noção de trabalho é, como muitos conceitos, uma noção em transformação constante, é aliás muito significativo  ter prevalecido, a palavra Trabalho, que deriva de tripalium, uma técnica de tortura que consistia no empalamento do condenado numa estaca que era presa ao chão através de uma estrutura  feita de três paus, e não a palavra Labor, que apesar de significar esforço, poderá ter na sua raiz etimológica robur, que significa força.
A bíblia apresenta-nos o trabalho como uma condenação pós Adão e Eva, cujos os dias seriam passados, até ao momento da queda, numa inconsciência dourada e limitada(os portões e o desafiador aroma das árvores proibidas), esta suposta queda é apresentada como um desafio ao limite, a pretensão de abandonar o estado de inconsciência teria trazido à humanidade toda a sorte de aflição e sofrimento ( do parir até ao morrer). É portanto como castigo que o trabalho aparece na narrativa ocidental, e é nesta perspectiva que se manterá durante milénios. Será por isso que muitas classes sociais, ao longo dos tempos, evitaram o trabalho, impondo-o a outros menos favorecidos.
A ética protestante introduz a noção de salvação associada ao trabalho, deixando este de ser apenas um modo de sustento físico e passando a ser igualmente um dispositivo para derrotar o pecado, o tempo de prazer é o tempo do perigo, o tempo que pode ser entregue ao pecado, à preguiça, à luxúria, à gula, e quanto mais tempo o homem dedicar ao trabalho menos tempo dito perigoso terá disponível. Esta foi a chave que abriu os portões para a acumulação de capitais, trabalhar mais é salvífico e o lucro acumulado é a prova física da contribuição para essa salvação.
Não são só montanhas e fronteiras que separam católicos de protestantes, são as escadas para o céu,
Estas noções prévias são provavelmente do conhecimento geral, mas é importante recuperá-las  quando queremos olhar para o trabalho, desemprego, salários, direitos, no século XXI.
Mas afinal o que é trabalhar no século XXI?
Houve um processo de aniquilação da sustentabilidade individual. Para que o homem-consumus se reproduzisse foi necessário abandonar e promover o abandono de todas as formas de produção que não visassem a comercialização em massa, em duas ou três gerações passámos a ter uma população mais urbana do que rural, mais no sector terciário e muito menos capaz de se imaginar a produzir os seus próprios alimentos, o seu próprio vestuário. Desempoderaram-se as pessoas dos seus saberes ancestrais, tornando-as dependentes da aquisição permanente de bens.
A própria noção de trabalho passou a estar directamente ligada ao trabalho executado fora do perímetro doméstico,  trabalhar significaria despender esforço numa cadeia de produção tendo como retorno dinheiro que se converteria em bens ou serviços.
Este projecto de sociedade teve consequências profundas na organização familiar, na divisão do tempo, na forma como se entende a autonomia financeira e como fomos diabolizando o tempo livre, fruto de uma catequização protestante activa e agressiva.
A a mecanização.  a robotização e a informatização  evoluíram num passo acelerado  e a força humana tem vindo a ser substituída pela máquina, esta transformação expectável não promoveu a libertação humana do trabalho/tripalium, como muitos ambicionaram, liberto do trabalho, catequizado acerca dos malefícios do tempo livre, incapaz de se sustentar sem ser através do consumo, o ser humano está perante um desafio muito semelhante ao último período glaciar.
O trabalho já não vai ser a estrutura central da vida, pelo menos se entendermos trabalho como um esforço que se emprega numa estrutura produtiva que em troca cede créditos(moedas) que permitam a aquisição de bens. Esta é a mudança de paradigma, como consequência da busca incessante pelo lucro / livre de custos sociais) as pessoas estão a ser substituídas por máquinas, até aqui nada teria que ser assustador se o trabalho é uma condenação, livrar-mo-nos dele deveria ser uma conquista, mas a dependência e o afastamento da noção de sustentabilidade que entretanto gerámos, incapacitou-nos para aproveitar esse tempo agora libertado.
Talvez possamos aprender a fruir, talvez possamos aprender a cooperar, talvez possamos aprender a envolver-mo-nos em projectos que potenciem a nossa comunidade, este tempo caótico tornar-se-a numa patologia social caso não seja reorientado, e esta reorientação passa por compreender que a noção de Trabalho se transformou em definitivo.
Pessoalmente sempre preferi o vocábulo labor, as palavras têm sabor e cheiro e labor cheira a pão a sair do forno, enquanto trabalho cheira a enxofre.
O convite que aqui faço não apela à resignação, nem tão pouco pressupõe que a tragédia do desemprego deva ser olhada como uma oportunidade, como afirmou um senhor com responsabilidades políticas, o convite implica-nos a todos
na percepção de um tempo que pode assentar numa visão diferente, mais harmoniosa entre esforço e prazer, recuperando saberes antigos que proporcionem uma sensação sustentada de independência. É um convite a que repensemos a nossa forma de encarar a ideia de trabalho, recuperando a dignidade das tarefas que garantem o dia-a-dia de uma família, comunidade, mesmo quando o seu desempenho não for recompensado através de moedas, é imprescindível validar as pessoas e os seus variados contributos, só assim se ultrapassará este combate entre direitos sociais e assistencialismo, só assim as  comunidades iniciarão um caminho de verdadeira cooperação, mesmo que o estado se desmantele, pessoas conscientes das suas aptidões e possibilidades serão capazes de finalmente  e verdadeiramente afirmar "O ESTADO SOMOS NÓS".



sábado, 23 de novembro de 2013

Fazer pontaria e errar o alvo.





Deixou de ser necessário anunciar que a crise se entranhou na nossa pele, mesmo os mais renitentes mesmo aqueles que se julgavam a salvo dos efeitos da austeridade já esbarraram de encontro ao muro e foram forçados a admitir as consequências.
Durante anos os avisos sobre o caos que se aproximava foram desprezados pela maioria dos cidadãos, e o seus portadores tratados como Cassandras.
Agora que é consensual é vê-los a saltarem de lado, escuta-mos-lhes as palavras arrebatadas, as acusações impiedosas, agarram-se aos sinos e fazem-nos soar a rebate, quanto mais se comprometeram com o sistema mais alto gritam, como se assim afugentassem a memória e garantissem o salvo conduto para o tempo seguinte.
Estou farta de os escutar, farta de os ver, farta de assistir as ovações com que os premeiam.
Não é difícil falar do furacão quando o seu olho se anuncia, difícil é antevê-lo e deslocar as populações para abrigos quando o vento ainda não sopra.
Agora, dizem, é tempo de convergir, mas convergir em quê? Em tirar de lá este governo?
Sim, esse é o objectivo agregador, diabolizar unipessoalmente o PPC e fazê-lo encarnar todo o mal, como se o mal pudesse ser aquartelado e posto de quarentena, e finda a quarentena regressassem por milagre os amanhãs cantantes.
Ide para o diabo, vós e a vossa retórica. Os vossos arrobos são a face  do vosso medo, os vossos ímpetos revolucionários têm dias contados e voltam ao esquecimento assim que recuperarem o poder.
O governo tem que cair? sim mas não para ser substituído por um outro que se lhe assemelhe.
Olhem à volta, leiam o que se passa em todo o ocidente, pesquisem para além das notícias ruminadas que vos são oferecidas.
Brian Rea.
Este pode ser o momento para escolher um caminho, mas não basta seguir as setas, vai ser preciso desbravar.
É aí que as convergências se desfazem.
Com um mal corporizado num débil mental com laivos de sadismo, a raiva conflui, proveniente de quadrantes antagónicos, depor o governo é uma solução concreta, palpável, parece até poder restituir a esperança na possibilidade de um caminho que não implique uma transformação radical. 
Como seria bom acreditar nisto.
Saíamos todos à rua, galgávamos escadarias e livrava-mo-nos do mal, e num passo de mágica o céu abria-se e a manhã seguinte seria de harmonia e esperança.
A ingenuidade desta crença seria louvável caso não fosse uma forma de desviar a energia e a acção para uma periferia dos problemas, quando estas deveriam fazer alvo ao centro nevrálgico.
Os perigosos e alucinados vaticinadores de tempestades continuam a falar de um tema que ainda não é encarado como central, o poder desregulado das corporações e de como este se sobrepõe ao poder executivo dos governos, sejam eles nacionais, federais ou continentais.
A liberdade reclamada por estes agentes económicos, pressupõe que as corporações gozem de protecção, de direitos e garantias que se julgaria serem exclusivos das pessoas e não das empresas, existem precedentes jurídicos que consubstanciam esta afirmação, as corporações exigem protecção que negam aos cidadãos.
Estamos num momento grave da história humana, e já não basta mudar a cor política dos governantes, é essencial enfrentar o monstro em si, a concentração de poder e de domínio económico que destituiu governos e impõe a indignidade como regra para os não poderosos.
E para quem acha que esta é uma divagação e que se pode ir por partes, continue em processo de negação, em breve a realidade vai entrar-lhe pelos poros como entrou a austeridade, esperem pelo cheiro fétido incrustado nas narinas e depois então dêem as mãos e rezem, mas  aos deuses todos.
As consequências da ignorância selectiva vão devastar várias gerações.

  

O gesto desenhou-se na ausência

         


                                           (Giulio Sartorio )


A palavra não chegou a tempo.
O gesto desenhou-se na ausência.
A salvação era um  flutuar sem fim.

http://www.youtube.com/watch?v=UAvRrWPSbP8








segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Quando a caridade ocupa o espaço da justiça.




Tenho na memória narrativas sobre os operários do Barreiro, antes do 25 de Abril, viúvas pobres e filhos desamparados que eram ajudados pela comunidade, por antigos colegas do homem que podia ter sofrido um acidente de trabalho, ter sido preso ou ter morrido, em qualquer dos casos deixava a família invariavelmente desamparada. Viviam lá para trás dos quintais, para lá do poço,  num território interdito onde fui muitas vezes às escondidas, e de onde resgatei um gato que roubei à morte num caixote do lixo.
Era para esse lugar que viajavam as roupas que deixavam de me servir, e era de lá que vinham alguns trabalhos de costura feitos de retalhos, pegas e outras pequenas coisas, que apareciam no Natal e na Páscoa como agradecimento pela ajuda.
Foi nesse mesmo Barreiro que escutei o 25 de Abril, e que brinquei às eleições livres, agora que penso, era uma brincadeira invulgar, eu gostava tanto de política, e tinha só 4 anos, que uns vizinhos da minha Bisavó, achando graça a tão invulgar gosto, construíram uma urna em madeira, só para mim e depois alguém arranjava um boletim de voto ,  e eu brincava às eleições, votando invariavelmente PCP, pois todas essas pessoas eram do PCP.
E nessa altura acreditava-se que a justiça social seria finalmente corpo e letra de lei.
Lembro-me das Manifestações da época, a que fui aos ombros de amigos da minha mãe, e de gritar:
-Paz Pão Educação Habitação.
Aquilo que então se pedia  à  Revolução era  para não perder as pessoas como destinatárias principais das suas acções.
Aos poucos a justiça social foi ocupando o espaço da caridade, pelo menos no discurso.
Sou do tempo do início do Leite escolar, recordo uma família muito grande e pobre que levava leite para todas as crianças, as que andavam na escola e as que não andavam.
Cresci acreditando que uma sociedade equilibrada deveria garantir direitos a quem cumprisse deveres, e mais do que isso, à medida que fui encontrando o meu eixo, fui estruturando a ideia de que o estado deve servir para proporcionar a tão apregoada igualdade de oportunidades, corrigindo desvios sejam eles para o excesso ou para a carência.
Este tempo está em regressão, uma regressão que muitos negaram ser possível.
O estado foi capturado pelo domínio financeiro das corporações, a governação política é uma encenação cada vez mais inútil, mesmo para aqueles que até há bem pouco tempo a financiavam. A farsa democrática caiu, o enredo perdeu a coerência e a verosimilhança, ou talvez tenham apenas deixado de serem necessárias as personae públicas que durante décadas mantiveram  clandestinas as suas crenças em sociedades desiguais, agindo  e  discursando como falsos convertidos aos ideais de bem comum.
Agora, escancarada a verdade, descobertos e expostos os altares, assumem os rituais purificadores e sacrificiais com um despudor medieval, oferecendo a caridade em troca da perda de dignidade.
E é assim, sem  a vaselina verbal do politicamente correcto, que se escutam todos os dias barbaridades pronunciadas por medievalistas clandestinos que finalmente saíram do armário, e estão aí nas ruas a proclamar os seus ódios e desprezos ancestrais.
E nós, educados numa lógica pacifista deixámos de saber cerrar os punhos em cima das mesas, e em menos de um nada fomos expulsos da távola.
É do lado de fora que observamos o banquete canibalesco há muito preparado em segredo por bestas que se movimentaram entre nós sem nunca nos considerarem humanos.
E onde está o estado?
E onde estão os homens e mulheres bons do Mundo?
E onde estamos nós?
A caridade reocupa o espaço da justiça social, a humilhação é a condição necessária para merecer a caridade, a revolta terá como paga a fome e a expulsão, uma expulsão que terá ecos nas gerações mais novas, gerando uma legião de gente de ninguém que sem educação, sem paz, sem pão e sem habitação, desaguará na anomia, e se é verdade que é muito rápida a involução humana ( da civilização à animalidade) o contrário é   demasiado lento e necessita de várias gerações.



http://www.independent.co.uk/news/uk/politics/boris-johnson-says-superrich-are-putupon-minority-like-homeless-people-and-irish-travellers-8946661.html


http://www.thenation.com/blog/177241/cleveland-wal-mart-holds-food-drive-its-own-employees








sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A voz e a letra.






                                                  Aladar Körosföi-Kriesh


Fogem os sons,
sabes, de vez em quando fogem os sons.
a voz não é minha, tomo-a emprestada quando a palavra se faz corpo.
nestes dias tenho letras, saem do silêncio e bailam ao meu redor
mas perderam o corpo e morrem sem serem pronunciadas.
Fujo dos sons,
sabes, de vez em quando fujo dos sons












http://www.youtube.com/watch?v=LKg2U_PVvoc

































segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Houve um tempo em que não tinha mortos meus.



Houve um tempo em que não tinha mortos meus.
Tinha sombras mas não tinha mortos meus.
Em 1995 morreu a minha bisavó, tinha 89 anos e era trisavó do meu filho mais crescido.
A morte da minha Bisavó foi uma passagem brutal e crua, foi a primeira vez que tomei consciência de um abandono irreparável.
Morreram algumas pessoas na família alargada desde então, mas não eram, nem serão, os meus mortos.
Em 2009 chorei a morte do meu Pai que morrera 26 anos antes.
Esta morte era o fim de uma longa jornada até a uma vala comum. Um desenterrar mórbido da minha própria história, o final abortado de todas as ilusões. Um golpe sem misericórdia, um cachimbo, oito irmãos, vários sobrinhos e uma morte.
No ano passado morreu o meu Avô materno, perdidas as ilusões era apenas um homem, que me ensinou muito, ensinou-me como matar de desprezo pessoas vivas e a escutar música clássica, foi por causa da sua melomania que um dos meus primeiros sofrimentos em criança foi constatar que o "Danúbio azul" não tinha sido composto por mim.
Morreu e eu cresci mais ou talvez tenha apenas deixado de ter quem se lembre de mim antes de todos os falhanços.
Não falo dos meus mortos, não comunico as minhas mortes, guardo-as no abismo da dor, um lugar onde a solidão me passa a mão pelos cabelos e onde não levo companhias.
Mas hoje soube da morte de uma amiga. E nunca desci até ao lugar da dor por amigos e não sei fazê-lo.
Até já, telefono-lhe quando for à Casa das Histórias, como no outro dia, e tomamos um chá e os miúdos brincam por ali.
E tenho a certeza que vai estar por ali.
Lembra-se do que dizia o João, miúdo, há 14 anos atrás, abrindo a janela do seu carro, e  gritando ao vento?
- Adeus Vida Toda!

http://www.youtube.com/watch?v=r75BFcH4u2k&feature=share


(post scriptum , o tempo cronológico é linear, o tempo do sentir não)


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Os amores fazem parte de nós, como um sangue secreto



Os amores fazem parte de nós, como um sangue secreto
os amores são eternos mesmo quando acabam.
Uma estranha certeza.
Há no amor um sentido de preservação que vai para além da relação enquanto tempo de partilha, nunca se deixa de amar.
O objecto de um amor, é como uma devoção, passado o nojo, regressa sob a forma de sorriso imperceptível.
Esta é a dimensão da eternidade, esta é a diferença fundamental entre a paixão, aquela que convoca  o prazer e a dor, e o amor, aquele que supera a morte.
Não há lugar para vingança depois do amor, porque não há um depois do amor.
(caminho estranho de reconhecimento da geografia privada, resposta às sucessivas questões internas e externas acerca das razões para ilogicamente desejar coisas boas a tudo o que amei, e porque não emprego a energia na destruição)


http://www.youtube.com/watch?v=tOI575atco4

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Sou a tua parte sombria Emmy Curl - Like The Rain







O cabelo era um cabelo revolto
as mãos poderiam matar ou amar
os olhos perdidos no fundo das olheiras
os lábios mordidos, a boca fechada.
Caminhava como se um longo manto de algas a cobrisse.
- Sou a tua porção de sombra- disse-lhe ele.
Ela semicerrou os olhos e compreendeu.
- Obrigada por me achares, porque demoraste tanto?

domingo, 6 de outubro de 2013

e eu a chamar-te

http://www.youtube.com/watch?v=0F24oewmNG4



                                                          Joan Miró









De nós apenas contornos
sem espessura ou profundidade
traços demasiado breves
e eu a chamar-te
e tu sem te reconheceres
no nome que te dou
e eu a chamar-te
e os traços, agora riscos,
a morrerem na folha
e eu a chamar-te
tens a cicatriz
e eu o tear.

sábado, 5 de outubro de 2013

Porque se zangam as pessoas?


A tradução popular do individualismo não esclarecido poderia ser a frase "trata é da tua vidinha e não te preocupes com a política", este mote pautou e pauta o exercício da cidadania de milhares de portugueses.
Esta noção de que o tratar da vidinha é incompatível com a consciência política revela o abismo entre os cidadãos e os governantes. Esta  separação entre aquilo que deve ocupar cada um, colocando em lados diferentes, as pessoas e os políticos, foi a pedra basilar para a não monitorização da condução da democracia. Os cidadãos deveriam apenas comparecer nas alturas devidas nas urnas para legitimar o regime, um regime que reivindicava a orientação popular ( republicana) mas que esgotava a relação com os cidadãos num orgasmo com hora marcada e sem direito a noite nem a escova de dentes na casa de banho.
E os cidadãos que tinham falta de cultura democrática, lá iam tratar das suas vidinhas, e tudo correria tranquilamente não fosse a falta de liquidez que arrancou com violência, inédita nos últimos 35 anos, os cidadãos dos centros comerciais e os forçou a regressarem às praças.
Hoje quase todos opinam, opinam os que sempre participaram, os que nunca participaram e aqueles que perderam as vidinhas, e porque opinam?
Estão audivelmente zangados, e porque se zangam as pessoas?
Zangam-se porque a ética, a noção de bem comum e o serviço público, não fazem parte do modus operandi dos eleitos para gerirem e decidirem o  presente e o futuro.
Era bom sinal.
Mas temo que se agora nos chovesse um qualquer ouro de um qualquer Brasil, toda esta consciência social se diluiria.
Se a maioria dos cidadãos pudesse regressar às suas vidinhas, os outros poderiam manter-se sem serem prescutados. E este temor apavora-me mais do que a implacável certeza do terror e da miséria.
Apavora-me que seja possível praticar todo o tipo de maldades sobre um povo, contando que este possa iludir-se saboreando as migalhas, apavora-me que a consciência  da necessidade de justiça, de equidade, de coesão social, esteja directamente dependente da quantidade de bens de consumo a que se tem acesso, da possibilidade do exercício de um individualismo bacoco que é muito mais uma demissão da consciência do que a construção de uma sociedade de indivíduos que superam a tribo e assumem o seu destino e a sua autoregulação.
No fundo, sei que se o Jardim arranjasse euros para despejar na Madeira, talvez os madeirenses ignorassem a ausência de cultura democrática, se o Machete trouxesse uns diamantes angolanos que nos livrassem da troika, Angola receberia um prémio de direitos humanos e uma comenda presidencial, ante o aplauso apalermado de uma turba lambuzada.
Se as pessoas se zangassem perante a exibição despudorada da ausência de ética, teriam que se ter zangado durante as últimas décadas com muitos dos governantes que endeusaram, teriam que se zangar consigo próprias por terem escolhido a cegueira selectiva e não terem exercido a cidadania esclarecida e atenta.















quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Será provocação?



O ponto de abjecção a que a política chegou, leva-me a suspeitar de que os nossos decadentes representantes são afinal os nossos maiores aliados contra o fim da democracia.

Insana suspeição?
Não me parece, na verdade, que outro propósito poderiam ter estes cavalheiros e estas damas senão espicaçar-nos, sacudir-nos violentamente até que tomemos consciência que não se anuncia apenas o fim do estado social mas o fim do estado tal como o concebemos, e com o fim do estado virá o fim das nações e com o fim das nações virão os governos corporativos globais, e com eles uma repressão do individuo não cooperante à escala planetária.

Agradeço profundamente as trapalhadas, as mentiras, as negociatas, as propostas indecorosas, a austeridade brutal, o aumento do desemprego, a falta de expectativas,  os swaps as pps e as pqps, e toda a sorte de tripalium  que vos lembrardes.
Foi penoso e demorado mas compreendi, vós sois mensageiros do bem, mas estais impedidos de falar abertamente, de nos alertardes de forma simples, por isso haveis recorrido a esta ardilosa manobra, conduzir-nos ao abismo, para nos despertardes do secular torpor.
Na verdade, sois os primeiros a ansiar pela nossa revolta.
Mas nós distraídos e pequeninos interpretámos as vossas piedosas intenções como desastres, ai de nós, perdoai-nos!!!

http://expresso.sapo.pt/ministro-rui-machete-disponivel-para-esclarecer-erro-involuntario-dia-8-no-parlamento=f832286

http://www.publico.pt/economia/noticia/troca-de-emails-confirma-que-maria-luis-albuquerque-sabia-dos-swaps-1601306



http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=682521&tm=6&layout=122&visual=61

Há quanto tempo não vias o mar





- Há quanto tempo não vias o mar?
- Há algum.
- Por alguma razão?
- Por quebra na
coragem para tourear as vagas.
- E o que fazias quando não vias o mar?
- Coisas.
- Coisas?
- Mexia-me compassadamente entre dois pontos, num vaivém pendular.
- Não compreendo.
- Nem eu.
- Mas mesmo assim fazia-lo?
- O fazer coisas não implica a sua compreensão.
- Então o que é que implica compreensão?
- Ser capaz de ver o mar.


terça-feira, 17 de setembro de 2013

A ética do macaco velho





A ética  dominante em Portugal é a Ética do Macaco Velho.
Após uma nada aprofundada pesquisa, creio  não existir  bibliografia  que permita aos desavisados iniciarem a sua educação,  existiram alguns mestres nesta disciplina, que deveria ser estruturante no sistema educativo, o método pedagógico apropriado é o "Observa e imita".
O Macaco Velho não reflecte sobre as consequências futuras dos seus actos, garantir a banana, é o seu mote, a banana pode até ser pilhada, mas quem a come  torna-se seu dono, por uso comilão.
O próprio sistema jurídico foi construído para ser esburacado pelos Macacos Velhos, há sempre uma saída mesmo que não seja airosa e  implique malabarismos. Nada é definitivo.
Para o Macaco Velho as leis e as disposições são sempre contornáveis.
Uma das frases tipo do Macaco Velho é :
- Tem que haver uma forma de dar a volta a isso.
Traduzindo: a lei pode até impedir alguns actos mas com algum artifício linguístico é possível contorná-la.
O Macaco Velho pilha e embrulha de novo, para se escapar à justiça, o Macaco Velho cuida que assim, de ramo em ramo, se revela como verdadeiro dono da selva.
O Macaco Velho não sofre de insónias nem tem consciências gritantes dentro de si, os guinchos agudos e desarmoniosos são exibidos como demonstração de poder.
Este símio julga que a fatiota humana lhe basta para se confundir com um homem, e na verdade tem-lhe sido mais que suficiente.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013



e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
 e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho
e tropeçava e caía e estatelada no chão invocava forças telúricas para retomar o caminho



http://www.youtube.com/watch?v=wRe2ObIpm0k

domingo, 8 de setembro de 2013

What's wrong with us?





Esta notícia http://www.theguardian.com/politics/2013/sep/06/uk-lowest-paid-classed-not-working-enough, remete para uma patologia social evidenciando a ideologia que enquadra e sustenta. a reforma que vem implementando a austeridade em golfadas.

Estamos perante um mundo onde não é culposo ser inexplicavelmente rico mas onde se torna perigoso ser explicitamente pobre.

Para compreender tudo o que está para além da notícia convém acrescentar alguns dados.


A desigualdade na distribuição da riqueza é um problema que julgávamos fazer parte do universo dos outros países, das américas latinas das africas em vias de desenvolvimento, mas não da civilizada europa, nem do farol  americano da democracia.
A realidade recente tem vindo a destapar as intenções e os caminhos de um mundo regulado pela ideia de lucro.
Quando o lucro governa, sem amo nem senhor, as almas insaciáveis, olvidam a  porção de humanidade que lhes permite absorver luz, e enganadas, como traças na noite, acorrem para a luz do metal brilhante sem cuidarem que assim encontrarão apenas a morte.
O deus lucro submete a beleza, subverte a ética, perverte a moral e destrói a empatia.
Na notícia acima citada existem várias falácias merecedoras de desmontagem. 
A ideia de que a um baixo rendimento corresponde um fraco desempenho, um esforço menor.
A questão resolvia-se com uma abordagem mais honesta, com perguntas que remetessem menos para a culpabilização de quem está em situação de pobreza e mais para a aferição da exigência de que a um trabalho correspondesse um salário que garantisse a dignidade de quem o aufere e a manutenção da sua família, foi para isso que se inventou a ideia do salário mínimo.
Talvez também fosse possível verificar se estas pessoas que vão ganhar a estrela dourada da pobreza por mérito próprio, trabalham, ou não, jornadas completas, e se caso não o façam se têm famílias para cuidar, menores a cargo ou ascendentes em situação de dependência.
Talvez fosse igualmente simples listar as empresas/instituições que contratam pessoas para lhes pagar abaixo do limiar aceitável, e a essas sim, marcá-las, a ferros se possível.
Além de tudo compreende-se que a intenção punitiva se vai reflectir não só numa estigmatização social, a classe das pessoas que não trabalham o suficiente, mas também no corte de apoios económicos e sociais a estas pessoas, e é aqui que reside a intenção directa, eliminar gastos com o estado social, transformando-os em acções moralizadoras que criem grupos/ classes de pessoas menos merecedoras de dignidade existencial.
Enquanto o coro se for virando contra os mais frágeis pairará a neblina sobre os mais fortes, transferindo as responsabilidades que deveriam ser-lhes imputadas por terem poderes decisórios, para aqueles sobre quem recaem as consequências dessas mesmas decisões.
A pobreza entre as pessoas que trabalham tem vindo a aumentar, o que deveria chocar estados, gentes e deuses, mas não, num passo de ilusionismo social, consegue criar-se uma ideia de que a culpa é individual e de que estas pessoas, ao invés de estarem a ser exploradas e a ganhar de menos, estão é a trabalhar pouco e por isso roubam os recursos públicos, através de esquemas reprováveis, e como tal merecem o castigo e tudo o que as mentes retorcidas lhes aprouver.
Estaremos mesmo todos a perder o sentido da justiça social? 
Será esta uma invenção?
Será um entrave ao progresso ?
Para muitos deveria ser uma ideia em extinção, como persiste é preciso exterminá-la antes que volte os olhos para a desigualdade na distribuição da riqueza quando se pretende mantê-los focados na igualdade com que se quer distribuir a pobreza.





domingo, 1 de setembro de 2013

Repleto de advérbios de modo Chegará o recomeço

http://www.youtube.com/watch?v=92a7mTNBqJI


Repleto de advérbios de modo
Chegará o recomeço
Sem promessas que os dias são de ocaso
sem ideais que as manhãs ao pão pertencem
sem lonjura que o quintal desemboca no muro
sem raiva que o negrume traz-se nas mãos
e o tempo há-de oferecer-nos chuva
e o mar há-de encapelar-se uma e outra vez
e na enseada que não o é,
aguardarei o desmoronar dos dias longos.







segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A face despida.




 A face despida.

(Sobre)Viver em sociedade implica a capacidade de vestir peles diferentes, esta afirmação não tem em si qualquer novidade.
Resta saber se poderíamos elaborar uma escala entre a camuflagem sobrevivente e a anulação patológica da identidade.
Esta escala teria aplicação pessoal  e  interpessoal.
Apresentar-se perante o outro sem máscara é de uma crueza doente, ninguém suporta relacionar-se com alguém que caminhe nu, a exposição excessiva daquilo que se convencionou dever ser coberto, desprotege aquele que se mostra despido, a dor e o riso devem ser exibidos em dose certa. sem exageros.
A máscara é um sinal de inteligência sobrevivente, mas até que ponto a máscara protege ou aprisiona?
A máscara pressupõe que o utilizador tem consciência do adereço e como tal pode colocá-lo quando entra em cena e retirá-lo no final de cada performance.
Esta consciência da utilização da máscara e da possibilidade de se libertar dela, de nalguns raros momentos se apresentar perante alguém, despido, é a linha que separa a inteligência sobrevivente da mentira patológica.
 Depois quando se perde a consciência da máscara, é mais difícil remover um adereço que se julga ser a própria pele.
Não será um espelho a devolver a face despida, será o silêncio, apenas Ele poderá restituir os contornos do rosto por trás da máscara.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013





Se acreditar fosse a centelha que falta.
Se sonhar fosse o explodir de uma vontade por cumprir
se as mãos se fizessem enxada e o mundo terra e as ideias sementes
se os ses fossem imperativos
seria perigoso desejar.


Ajuda-me a construir uma barcaça
para passar o rio e enfrentar o oceano
as águas profundas e as algas e os peixes em cardume
ensina-me a flutuar que de tanto suster o ar deixei de o saber.
















http://youtu.be/I7xZqYILKqg

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O bosque ardeu durante uma noite inteira




O bosque ardeu durante uma noite inteira
a madrugada não ofertou o orvalho
e as árvores incandescentes demoraram-se na despedida.
o sol do meio dia, impiedoso como só ele sabe ser,
ateou labaredas e os cães uivaram sem parar.

guardei pedaços de desesperança
hoje colo-os, pedacinhos de desespero com cheiro a resina
e faço barulho
faço muito barulho
o meu bosque não guardava mistérios
o meu bosque não escondia animais ferozes
no meu bosque tu eras musgo
e só aparecias quando voltava o inverno.



















http://youtu.be/25VGdNU3nrU

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Há um recolhimento de catedrais no silêncio

http://youtu.be/pv2VBaoyE3U




Há um recolhimento de catedrais
no silêncio, o nosso elo.
As pedras resguardam-nos
 a ténue luz coada pelo vitral, encima a imagem sagrada
um amor de confissões
santuário santuário
e no adro estancam os perseguidores
sairemos daqui um dia
quando a praça for de luta e não de medo.

A artista da cidade e os proscritos.




Habitualmente sou um rouxinol a armar-me em coruja, guardo o escrever para a noite e o pensar para a manhã, nem sempre produz bons resultados, sempre que releio qualquer coisa que venha da noite corrijo-a, sobretudo se a reler de manhã.
Enfim, coisas das horas, umas servem para umas coisas e outras podem ser desperdiçadas.
Também gosto de desperdiçar algumas, mas só o posso fazer a horas que já de si são um desperdício, a baixa madrugada ( ora se existe a alta e a baixa idade média, pode igualmente existir a alta e a baixa madrugada).
Há dias atrás, entre um episódio de uma série americana, e um Toda a verdade sobre qualquer coisa, como os matadouros em França, ou  a exploração de mão de obra infantil no Bangladesh, o zapping depositou-me canal económico, e desembarquei na entrevista  aqui http://tv.economico.sapo.pt/ disponível,  com Joana Vasconcelos
Interessará pouco o que penso ou deixo de pensar sobre a obra ( o corpo de trabalho como a própria refere), todo aquele canal é um prodígio de estranhas verdades e arautos da bondade do sistema, horas antes tinha visto um senhor afirmar que depois das últimas semanas as pessoas estavam muito mais confiantes, portanto como imaginam é um canal de ficção, daquela pouco envolvente, falta.lhes a verosimilhança, ou talvez sofram de excesso dela ( se chamarmos o conceito platónico, verosimilhança como uma aparência da verdade, uma enganosa e eventualmente perigosa aparência) bom, adiante.
Enquanto ouvia a J.V. foram várias as questões que coloquei a mim própria.
Resumo-as aqui em dois eixos.

A marketização das pessoas/artistas
As formas de reconhecimento e aceitação

Em relação ao primeiro, a marketização das pessoas, lembrei-me de um professor de estética que conheci há alguns anos e que surpreendido me relatou ter o curso, no qual ministrava a cadeira de estética,sofrido alterações programáticas profundas  sendo um curso do fazer, Artes Plásticas,  os alunos passavam grande parte do seu tempo a saber como angariar fundos e a construírem um discurso para se  venderem, mesmo antes de terem um labor oficinal que lhes permitisse reconhecerem-se no trabalho que produziam. Dizia ele que se tratava muito mais de falar sobre o fazer, ao invés de fazer, para depois poder pensar e só mais tarde  falar, a partir de uma reflexão proporcionada pelo fazer.
Esta ideia de transformar todas as pessoas em marcas, em produtos, que com uma boa campanha publicitária  se podem impor  num mercado ruidoso é transversal a várias áreas e contaminou boa parte da do pensamento, da política à arte passando pelos sabonetes ou pela ração para gatos, é tudo reduzido a planos de negócio,  publicidade, volume de venda e valor de mercado.
E assim as pessoas, sujeitam-se às leis e regras de uma economia que serve para coisas e não para gente, gente que não seja feita de detergente.
A J.V. é um produto, fala de si como um valor acrescentado, e alimenta uma antiquíssima discussão que perpassa por   toda a reflexão sobre arte moderna, acerca  do valor do objecto enquanto tal e o valor acrescentado pela especulação em torno do mesmo.
São inúmeros os benefícios directos pelo assumir de uma posição destas, tão em contra-ciclo com a imagem revoltada, incompreendida e  socialmente desintegrada que muitos artistas cultivam naturalmente.
Marketizar-se é vender-se a si próprio mas sempre na terceira pessoa, deve forçar uma capacidade de extremo narcisismo e uma aptidão invulgar para em simultâneo se descentrar, como se ao falar de si se falasse de um corpo todo ele feito de próteses.

O segundo eixo diz respeito às formas, mecanismos de reconhecimento e validação, mesmo o mais "detached" artista precisa de alguma forma de reconhecimento, aliás a produção artística parte muitas vezes, ainda que inconscientemente, desta necessidade.
  A J. V. guarda um ressentimento notório em relação ao Mundo da Arte ( Arthur C- Danto), ressalvando que tem o reconhecimento do povo, num discurso que se ausenta intencionalmente da realidade dura, desesperada de muitos artistas portugueses no momento presente, não há durante toda a entrevista uma única referência à situação actual do nosso país. Quando questionada acerca das supostas barreiras que os artistas enfrentam em Portugal, a resposta é uma tradução do pensamento vigente no poder, barreiras não, constrangimentos, os constrangimentos ultrapassam-se, as barreiras só se forem derrubadas.
A artista, tem o suporte do poder, o poder financeiro e o reconhecimento do povo, mas não perdoa aos outros artistas o facto de não a considerarem como par entre pares.
Um artista deve saber conviver com a a possibilidade de ser banido, proscrito, caso contrário poderá ser muitas coisas, até empresário de sucesso, mas dificilmente terá a resiliência necessária para se manter artista.
A permanente ameaça de proscrição faz parte da criação artística, um artista que esteja mais sincronizado com o tempo real do que com o tempo invisível, fica preso num relógio que rapidamente se transforma em bomba relógio, é precisamente aí que reside o rancor que J. V. guarda, ou talvez não guarde, porque o exibe.
Quando a cidade ( entenda-se aqui o Povo e o Poder) a banirem, os seus pares não serão a comunidade de proscritos que a acolherá, e a cidade mais tarde ou mais cedo acaba sempre por banir os artistas, por mais que os tenha acolhido durante um determinado tempo, e sobretudo quando o acolheu de forma calorosa e visível.
A comunidade de proscritos é mais duradoura, basta fazer parte desse tempo que não se conta pelo relógio.
Com tantas conquistas e tantos números a suportarem-nas  J. V, deveria ser uma pessoa grata e não um ser rancoroso, será que se atraiçoou a si própria e apesar de todo o maketing não conseguiu fazer um soul lifting?
Fica a dúvida.





terça-feira, 30 de julho de 2013

Na nossa frente desmaia um regime exausto.






O lamento que jamais seria de ninfa
a morrinha de arrastar  correntes não visíveis.
detonar-me na praça
que os meus estilhaços quebrem as vossas vidraças
o canto feio de uma coisa por cumprir
o canto frio de uma promessa anunciada.

















http://www.youtube.com/watch?v=Tdx7Yp1Mbpk

sábado, 27 de julho de 2013



                                Ergui o muro.
                                Montei guarda.
                                Vigiei incansável
                                Ainda assim passaram
                               Eram de água e não os detive
                               a identificação liquefeita
                               sob sóis e estios evaporaram-se
                               aguardo invernos que os solidifiquem.









http://www.youtube.com/watch?v=dRR3WzExrZo

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Portugal não é uma Terra-Mãe. Portugal não é uma Terra. Pai. Portugal é uma Terra- Meretriz

 Esta notícia, como outras  com conteúdos igualmente desacreditadores, fornecem o combustível para que a verdadeira sociedade das corporações, consiga reduzir a política, a democracia e a noção de comunidade, a uma mera inutilidade dispensável. http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/swaps/detalhe/swaps_troca_de_emails_confirma_que_ex_director_geral_do_tesouro_informou_maria_luis_albuquerque.html.
O jogo já não é de alternâncias, embora, pessoalmente prefira alternativas, o jogo é de quem tem as cartas, a mesa, o queijo, a faca, os ratos e os restos dos outros.
E quem não alinha, melhor fora que se matasse, assim seria um vencido e não um combatente.
A coerência, a consistência, a verosimilhança, a verdade, a ética, a solidariedade, todos estes conceitos, se tornam fluidos perante a sobrevivência, mas não se trata de manter um corpo são ou uma mente sã, trata-se de manter um polvo vivo.
Pugnar por uma consciência onde o respeito pelo outro se sobreponha ao medo da vingança dos poderosos, foi sempre um caminho de solidão, hoje é um caminho perigoso.
E ter moedas para comprar salvos-condutos  é a única forma de garantir imunidade, mesmo perante crimes, traições, mentiras e outras pequenas falhas.

Tudo o que tem acontecido em Portugal seria suficiente para dissolver o país, nem digo para dissolver a AR, que essa já se transformou no comboio fantasma, falo mesmo da ausência de dignidade de um povo que permanece serenado no meio do turbilhão, um povo que acolhe o furacão e o aninha, encolhendo ombros pesados de fados arrastados, na beira das praias de onde já não partem marinheiros.

Portugal não é uma Terra-Mãe.
Portugal não é uma Terra. Pai.
Portugal é uma Terra- Meretriz


.http://www.youtube.com/watch?v=_fcdtobvmAM



terça-feira, 23 de julho de 2013

Somos dezenas, centenas, milhares, milhões.






Dizem que  a beleza supera as raivas, mas nem a beleza domina as fúrias.
As Danaides pararam e recusam-se a carregar água.
Alecto apoderou-se dos meus passos e já só me restam as mais abjectas vísceras, disponho-as sobre a mesa por escassearem as iguarias.
Nas costas, restos de punhais, nas mãos, vento em remoinhos, no peito o silêncio num esconjuro que em breve se animará numa vaga.
Somos dezenas, centenas, milhares, milhões.
Já ponderámos e arrepende-mo-nos, já cedemos e ainda assim suplicamos a sobrevivência, já ofertámos a nossa nuca em gestos sacrificiais e a nossa morte não aplacou os deuses.
Somos dezenas, centenas, milhares, milhões.
Ainda sem fome mas já sem alimento
Ainda sem frio mas já sem casa
Ainda com o dia de hoje mas já sem futuros.
Aos nossos filhos serviremos a descrença em gotas ou em golfadas conforme os dias, aos nossos pais dedicaremos os nossos fracassos com dor e com sangue, aos que jogam com as nossas vidas soltaremos a memória de Tisífone até que por fim, quase sem vida, compreendam que a dor não se oferece.
E quem prefere verdes prados, resta-me falar do sangue que de flores não me convém

http://www.youtube.com/watch?v=RHhcsL-3WjE





















sábado, 20 de julho de 2013

António Raul





http://youtu.be/0vzIFrfvbh0








                                                           ( Ramon Casas)



Havia naqueles dois qualquer coisa de desfasado, a forma como se tratavam, a irrepreensível arrumação da casa, a ausência de televisão, computador ou telemóveis, eram ao mesmo tempo uma  crença e uma fuga.


Os filhos tinham nascido numa altura tardia, mas nem por isso alteraram a rotina impenetrável dos pais.

Os rapazes, com precisamente nove meses de diferença um do outro, tinham partilhado a casa com os pais até terem idade para frequentarem o colégio militar em regime interno, depois uma residência reservada a jovens da obra, ali para os lados do Campo Grande, serviu-lhes de abrigo até terem cada um a sua vida, um partiu para Espanha, onde fez o curso medicina e o outro entregou-se ao serviço de dEUS, até ter sido apanhado por uma mina numa escola campal no meio de Moçambique.

Eles permaneceram na mesma cidade que os tinha visto nascer, os anos, a revolução e as mudanças de regime, fizeram-nos perder primeiro o emprego dele como tesoureiro da empresa da família e depois, gradualmente, os bens, mudaram de casa e confinaram-se a um T1 atafulhado de mobiliário antigo, imponente e sufocante.


A horas certas serviam um chá, ainda no serviço de prata, e nas porcelanas mais finas  e delicadas, fora a única refeição que jamais quiseram eliminar, todas as outras eram habilmente contornadas, mas o chá mantinha-se.

Preparava-se o bolo, as pequenas sandwiches de pepino, o Earl grey ( pelo menos a lata  era da Twinings) um fiapo de leite e ambos se sentavam frente a frente, todos os dias, trocando palavras triviais, sobre o tempo e os tempos. 

Ela evidenciava um alheamento que poderia ser quase encantador, nada sabia sobre política,  negócios, a vida das vizinhas, literatura, música ou qualquer outra coisa.

Quando ele a interpelava a discussão não era estancada sempre com a mesma  frase:
- Sabe, o meu adorado Pai, disse-me várias vezes que os meus caracóis dourados não durariam para sempre e que talvez me fosse útil ler Eça, agora já não devo ir a tempo, pois não? O que lhe parece  António Raul?

Ele cumpria uma austeridade implacável há mais de trinta anos.

Trabalhou secretamente na Casa Frazão, sem que ela sequer imaginasse, vivia durante a semana num quarto alugado, na Rua do Arsenal, regressando de comboio à sua pequena cidade todas as sextas feiras.

Foi nesses tempos que conheceu a Espanhola.

Na verdade ela nem era Espanhola, mas como tinha por hábito comprar tecidos com bolas e pintas, sobre fundo liso, vermelho ou preto, ele alcunhara-a com Espanhola, aliás, fazia questão de a atender sempre em espanhol.

Foi no final dos anos oitenta que lhe perdeu o rasto.

Um dia ela entrou na loja e disse-lhe :
- Mira Raul, ahora me voy a vivir muy lejos,  muy lejos de ti. Adiós. 
Ele ainda saiu da loja atrás dela, mas um táxi esperava-a e arrancou acelerando.

Raul reformou-se antes de tempo, chamaram-no ao escritório e ofereceram-lhe uma quantia para se ir embora:

Um rapaz novito e sagaz, olhou-o e depois de um silêncio premeditado, comunicou-lhe:
- O Amigo Raul, vai desculpar a minha franqueza, mas as suas skills já não estão adaptadas aos desafios do marketing actual, a clientela mudou muito.
Raul engoliu em seco e saiu do escritório.
Deambulou horas a fio. Em cada mulher julgava reencontrar a sua espanhola. Mas ela tinha ido para "lejos".

Há pouco mais de seis meses recebeu uma encomenda postal. 

Lá dentro um telemóvel.
Julgou que fosse um cuidado distante do filho médico.
Pediu ajuda ao rapaz que transportava as botijas de gás, e lá conseguiu ligar o objecto.
Minutos depois a sua primeira mensagem recebida:
-Ola cariño, te acuerdas de mi? 

Raul era agora um senhor magro de bigodes retorcidos, que o tinham acompanhado desde a idade dos trinta anos, a austeridade e o silêncio tinham mantido aquela paixão durante vinte e três anos.

Para a viver bastava-lhe sair de casa diariamente depois de cumprido o sacrifício do chá, aninhar-se debaixo de uma árvores e dizer as palavras todas, protegendo-as dos ouvidos curiosos, com as mãos em concha, mas revelando-as num menear delator.

terça-feira, 16 de julho de 2013

um dia branco.





http://youtu.be/E_hR9dYhS4s

Sabias do meu amor pela queda
Não ocultei o abismo, preferi dedicar-to.
Empurrando o baloiço, cuidei empurrar o mundo e o medo
mas eles voltam sempre, os pequeninos demónios
os coisas do passado por tratar
se habitássemos um presente 
 um hoje repetido,
sem memória, sem desejo.
sem perdão nem promessa
um dia branco.

                                                                



quinta-feira, 11 de julho de 2013

morder o crepúsculo

mordo um crepúsculo e nele busco um silêncio mental.
o não verbo, a não acção, o não gesto, a não vontade.
morri tantas vezes quantas o astro se deitou nas águas longínquas.
espera-me a madrugada e a sua clarividência momentânea.

                                           
                                           (James Abbott Mcneill)

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Beth Gibbons - Resolve





Há no amor burguês um compromisso social claro, este compromisso é o  cimento social sobre o qual a sociedade burguesa se manteve e  se perpetuou.
Existem regras bastante claras para participar neste esquema e convenhamos que quem nele se move e é bem sucedido, nem sequer questiona a verdade interior e o seu valor.
Apresentar-se sorridente, enumerar pequenos feitos dos pequenos infantes,conquistas materiais, comparar discreta mas claramente, todas as posses, exibir criancinhas aprumadas, mulheres enfeitadas e homens com relógios possantes, carreiras narráveis e colecções de objectos/trunfos.
 Claro que dependendo do degrau da burguesia em causa, estas exibições podem ser mais ou menos estridentes, com maior ou menor grau de bom gosto, acompanhadas por actozinhos de contrição e conversinhas sobre voluntariado junto dos pobrezinhos, no fundo interessa é exibir o tamanho do pénis, e perdoem-me os mais sensíveis, mas a hipocrisia reinante nesta faixa da sociedade é-me repelente.
São gerações após gerações a serem preparadas para a pequena mentira, para a pequena omissão, para o desprezo por aqueles que não cumprem os requisitos formais, gerações e gerações educadas a catalogar o outro mesmo antes de o conhecer, melhor, sobretudo antes de sequer conhecer o outro, treina-se um julgamento à priori, baseado em critérios definidos e definitivos.
Estas características são o garante da manutenção de uma classe que se deseja e comporta com uma superioridade alucinante.
Nestes círculos ninguém é abraçado por estar a passar um mau bocado, estes lobos escorraçam o lobo doente, nestes círculos as festas acabam quando os pénis deixam de poder ser comparados, ou quando a comparação se torna obscena pela pujança viagrense de uns face à tristeza diminuta e natural de outros.
Falta-lhes e faltar-lhes-á sempre a beleza simples de um linho branco e de um pão amassado e partilhado.


Um silvado distante confirma a morte.

http://youtu.be/8KCXn9yenHQ

Amar é uma declaração da vontade de estar no presente
Pode amar-se um passado mas só em silêncio e memória
Amar é sempre hoje.

domingo, 7 de julho de 2013

A sinceridade e a emoção como fontes de instabilidade.(dedicatória especial ao mais recente casal por conveniência)




                                            http://youtu.be/aF32tk9r62g


                        Introduzir a equação amor num sistema familiar implica incorporar riscos tóxicos.
                        As famílias estruturaram-se durante milhares de anos a partir de outras premissas, premissas funcionais e não emocionais. O casamento era uma forma de promover coesão social, de implicar os seus intervenientes na defesa de territórios, bens e pessoas.
O Pater familias representaria esse eixo estruturante em torno do qual o clã, se uniria, fosse para se matarem ou para sobreviverem.
O Amor era uma outra coisa, uma febre dos fenos, daquelas que se curavam longe de casa.
                      O produto destes casamentos, fossem bens ou filhos ( a diferença não era significativa)  serviria para manter a continuidade de um esquema de sobrevivência, conveniência e estabilidade formal.
É a entrada do amor nesta lógica que vem desestruturar as famílias,  ao amor vem associada a inquietação, a duvida, querer saber o que o outro sente, querer saber como o outro sente, nada disto é funcional.
Os filhos e as mulheres  deixaram de ser propriedade dos seus pais e maridos e passaram a ter identidade, personalidade, e essas identidades chocam umas com as outras, num sistema cuja funcionalidade se questiona pelo menos desde os anos 60 do século XX.
Abandonado o formalismo, a família mergulhou num drama que é demasiado subjectivo para ter uma solução evidente.
Aquilo que cada um sente é a sua verdade, a funcionalidade de um sistema é assegurada pela sua racionalidade, amar é sempre irracional.
O formalismo protegia as pessoas das expectativas, não seria expectável, em pleno século XIX um jovem ser compreendido pela sua família(salvo raras excepções), que uma mulher tivesse suporte para afirmar a sua identidade( mais uma vez salvo raras excepções) ou que um homem revelasse o que lhe ia na alma. Excluindo as emoções, os casamentos foram estruturas capazes de manter sociedades funcionais.

((dedicatória especial ao mais recente casal por conveniência)