quarta-feira, 27 de março de 2013

Sabes para onde vais?

David Sylvian – I Surrender




Abrias em mim o sulco da manhã
trazias um tudo nas mãos e caminhavas
perguntei-te vezes sem conta:
-Sabes para onde vais?
- Sei, mas não te digo que é  um lugar só meu.

Fechavas os olhos numa lentidão só tua
guardavas um nada nas mãos e por vezes estavas
 continuei a querer indagar:
- Amanhã segues viagem?
- Agora mesmo estou a caminho do meu lugar.

Abrias em mim a imensidão da noite
soltavas o vento e retomavas o caminho
e eu rendida ao enigma.
- Desta vez já não regressas?
- Se a morte estiver no fundo da estrada, terei então chegado.


domingo, 24 de março de 2013

A morte dos homens.

http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2013/jan/23/suicide-rates-men-gender-issue



Um dos temas que me interessa é tentar compreender o que mantém as pessoas vivas.

Umas vivem de amores, outras alimentam-se de ódios, algumas sacrificam-se para manterem vivos os sonhos, as mais tristes vivem para possuir, as mais desalentadas vão vivendo mesmo já não possuindo.

E uma enorme quantidade sobrevive, mesmo sem vontade, mesmo sem objectivos, apesar de todas as contrariedades, algumas pessoas vagueiam pelos dias, embrulhados numa quase morte que os impede de tudo. As circunstâncias podem ser de ordem material ou de ordem espiritual, o efeito é muito semelhante.

Os homens estão mentalmente preparados para se estruturarem de fora para dentro, o trabalho, o reconhecimento social, o sucesso, a conquista, a caça, o fazer da guerra, são alguns aspectos a partir dos quais os homens se projectam e constroiem a sua identidade, claro que estas tarefas podem sofrer metamorfoses e aparecerem revestidas, mas no fundo continuam a ser as tarefas onde a grande maioria dos homens se sentem confortáveis.

Esta crise mergulhou os homens numa ausência de validação que está a transformar a sociedade de uma forma aguda e profunda.

Perdido o eixo do trabalho muito homens constatam o vazio do seu caminhar e não possuiem armas para enfrentá-lo, o vazio engorda e a morte afigura-se como saída.


Milton Nascimento – Anima

domingo, 17 de março de 2013

NICK CAVE - Leonard Cohen's Suzanne

http://youtu.be/NwIZdh6MqIo

Havia um lugar onde comíamos laranjas
e por não serem nossas eram doces e apetecíveis
havia um lugar onde as mãos se davam
e por não serem nossas eram macias e firmes
havia um lugar onde o ribeiro corria
e por ser nosso nunca ousámos segui-lo

quinta-feira, 14 de março de 2013

sábado, 9 de março de 2013

Novatos, jovens e hardcore gamers.

http://youtu.be/Li-qVYHbGiM

O discurso da actriz Joana Manuel ( http://youtu.be/t3bwfURSztA) fez-me retomar o questionamento sobre o que é envelhecer, o que é crescer e o que é ser forçado a não crescer.
 O tom emotivo do discurso faz-nos sorrir com sal perante algumas verdades sérias que ali são afirmadas.
Se a esperança média de vida aumentou então é natural que alguns tempos da vida se alterem, a meia idade, a adultez, a juventude e a velhice, deslocaram-se como consequência desta alteração da duração média da vida.
Mas inquietação não surge destas transformações, surge da classificação de uma fatia  destes actores sociais, utilizando uma nomenclatura de jogos, como novatos (Rookie), este depreciação  da juvenstude, como se ser jovem por mais tempo significasse ser iniciado por tempo indeterminado, e um iniciado, o tal rookie, tem, obviamente, menos direitos do que um hardcore gamer, aquele que joga há muito tempo e por períodos muito longos. Ser novato é estar disponível para começar, para começar do zero, e depois começar no -1 e passado algum tempo voltar ao zero, esta disponibilidade vai enfraquecendo com o passar do tempo, e nem toda a retórica sobre a eterna juventude permite reinventar a energia para o impulso de principiar.
Além do mais, estar sempre a mudar de jogo não deixa que o novato evolua para hardcore gamer, mas talvez seja essa a intenção, reservar alguns níveis  exclusivos para uma faixa determinada da população e empurrar todos os outros monte abaixo convencendo-os de que aquela próxima pedra a transportar será a decisiva.


terça-feira, 5 de março de 2013

Aqui estou só não sei onde fico.Philip Glass. The Photographer Part 3 - Entire movement




de elipse em elipse
o olho da tempestadade
aqui estou aqui estou
movimento circular
sem guias
sem marcas
aqui estou
só não sei onde fico

domingo, 3 de março de 2013

Terry Riley ~ Lands End




Se te doer o mundo
seremos santuário no abismo
incalculável o peso das nuvens
inalcansável o branco ausência
um nós morada sem arame farpado.

E agora? Agora o que acontece? Patrick Watson - Big Bird in a Small Cage





Há um tempo que acontece nos primeiros dias das paixões, o dia seguinte ao primeiro beijo.
Hoje é esse dia, o dia em que não sabemos se foi fugaz ou se vai ser um começo.
Ontem, como pássaros engaiolados, cantámos uma canção, triste, desalentada, lacrimosa.
Não havia no ar o sentido de festa que se sentiu a 15 de Setembro, os nós na garganta soltaram-se desgarrados.
Não houve vandalismo, e digamos que aquelas lojas de griffe que acompanham a descida da Av. liberdade, são apelativas sob esse prisma.
Caminhei grande parte do tempo silenciosa, os lamentos já não estão cobertos pela vergonha pequeno-burguesa, estão a céu aberto como esgotos que não encontram rio ou mar para desaguarem.
Avós que viram as pensões cortadas e que já não conseguem ajudar netos que perderam o seu emprego.
Homens e mulheres que deixaram de fazer sentido para si próprios porque se estruturaram a partir da função laboral que exerciam.
Jovens que talvez não ousem sonhar.
E alguém me fala no PREC, nas ruas do tempo do Prec.
Na verdade, nesse tempo, havia um mar de expectativas por cumprir, um país por abrir, um horizonte imenso, hoje, há uma gaiola apertada e fora dela uma morte anunciada.
Ninguém quer ser responsável por terminar este tempo, mesmo que este tempo seja um tempo de mortos, ninguém quer assumir o fim do sistema, essa assunção pressupõe a coragem para mergulhar no desconhecido.
Falo com amigos e a pergunta repete-se:
- Então e agora? O que é que vai acontecer?
Agora veremos se foi um arrobo numa tarde solarenga ou se a balada se transforma num romance, vão ser necessários escritores com fôlego dostoievsyano, isto agora não vai lá com pequenas narrativas.