domingo, 29 de dezembro de 2013

Deixar de querer ou deixar de crer.







( Mary Cassat  
Terminado o tempo contabilizados os danos, sobram flores silvestres e alguns amores selvagens. Tudo foi a inútil consequência de querer
 impor vontade ao mundo e o mundo não se domestica.












sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Assistir ao mundo





Assisto ao mundo.
Lá fora, combatem os ramos ensandecidos
na derradeira batalha, Zéfiro destrona as folhas.
Nuas, as árvores acolhem o solstício.

E há uma promessa lunar
o tempo desenha os seus infinitos
os rios transbordam,
 os humanos desabam,
e eu assisto à vida



                                                                                                                                                Luca Giordano
                                                                                   ( Semiramis)

http://www.youtube.com/watch?v=UzzCthKw_C0

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

E se a noite me apanhar antes da palavra punhal serei gota vermelha no fio da lâmina









E se a noite me apanhar antes da palavra punhal
serei gota vermelha no fio da lâmina
largo as vinganças que aninhei no regaço
lanço a barca, iço as velas
que um porto me acolha depois da exaustão
sem memória sem gerúndios
apenas um dia na sua finita plenitude.











http://www.youtube.com/watch?v=UrMuIYmJ4Y0

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

The quiet boy.



The quiet boy wakes up every morning without protesting, he washes his face and gets dressed all by himself, then takes his healthy breakfast in a silent mood

 The quiet boy goes to school driven by his parents, it´s a 20 minute ride, always spent in absolute silence.
When he arrives there, he greets his mates and teachers and even all other grown ups.

The quiet boy is always paying attention in class, he does all tasks his teacher asks him to do and never ever fools around inside the classroom.
He waits patiently for his turn, never forgets to raise his hand before speaking and never makes any disturbing noises.

During recess  the quiet boy prefers the library, but only after he eats all the veggies his mother sends him everyday.
If and when he needs to use the toillet he waits orderly for his turn.
When its time to go back inside, the quiet boy is always the first in line.

At lunch time the quiet boy always eats everything, even turnips. In the caffeteria he keeps his voice low and minds his manners. After eating he goes to play with his friends, but before he never forgets to wash his hands and teeth, his mamma gave him a travel tothbrush and he keeps it safely in his pocket.

When recess is over and everyone is complaining about going back, the quiet boy goes smoothly tho his classroom eager to learn and work again.
He stays inside all afternoon and sometimes by the end of the schoolday he asks his .eacher if any help is needed.
 Under his table there is never any garbage.

While he waits for his parents to pick him up he reads a little and drinks some semi-fat milk.
When his parents arrive he greets them with a gentle kiss and gets in the car, they always listen to classical music on their way back. After school he takes his swiming lessons, his yoga class, his piano lessons and his mandarin course.

When he finally arrives home its always time for his bath, his homework and his meal, and he does all theese willingly and quietly. After doing all his chores he gets to spend some time with his parents in the living room, sometimes they all read, other times he plays the piano and his parents quietly listen, sometimes he and his father play chess, and when the night falls they all go to sleep, all night long, with no nightmares nor sudden awakes.

The next morning, its early to rise and it starts all over again, smoothly and quietly, no matter if its monday or thursday, it all works like a swiss clock.

During weekends the quiet boy spends a lot of his time reading in the silence if his bedroom, snd going through notes he takes at school, so that in the next week he can be prepared for any surprise test, and absolute sure he learns everything he is supposed to learn.
Sometimes, when its not raining, the quiet boy goes out for a walk, he prefers long and silent walks by the riverside.
At times he asks his mother to buy him a new book but if the mother says no, he never insists nor does he complain.
The quiet boy really enjoys being quiet for long periods of time. When he grows up he will eventually turn out to be a quiet man.
But if you would ask me, I'd say the quiet boy is...

                                            (ilustração Miguel Gorjão Clara)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Tripalium vs Labor (texto 1)



A noção de trabalho é, como muitos conceitos, uma noção em transformação constante, é aliás muito significativo  ter prevalecido, a palavra Trabalho, que deriva de tripalium, uma técnica de tortura que consistia no empalamento do condenado numa estaca que era presa ao chão através de uma estrutura  feita de três paus, e não a palavra Labor, que apesar de significar esforço, poderá ter na sua raiz etimológica robur, que significa força.
A bíblia apresenta-nos o trabalho como uma condenação pós Adão e Eva, cujos os dias seriam passados, até ao momento da queda, numa inconsciência dourada e limitada(os portões e o desafiador aroma das árvores proibidas), esta suposta queda é apresentada como um desafio ao limite, a pretensão de abandonar o estado de inconsciência teria trazido à humanidade toda a sorte de aflição e sofrimento ( do parir até ao morrer). É portanto como castigo que o trabalho aparece na narrativa ocidental, e é nesta perspectiva que se manterá durante milénios. Será por isso que muitas classes sociais, ao longo dos tempos, evitaram o trabalho, impondo-o a outros menos favorecidos.
A ética protestante introduz a noção de salvação associada ao trabalho, deixando este de ser apenas um modo de sustento físico e passando a ser igualmente um dispositivo para derrotar o pecado, o tempo de prazer é o tempo do perigo, o tempo que pode ser entregue ao pecado, à preguiça, à luxúria, à gula, e quanto mais tempo o homem dedicar ao trabalho menos tempo dito perigoso terá disponível. Esta foi a chave que abriu os portões para a acumulação de capitais, trabalhar mais é salvífico e o lucro acumulado é a prova física da contribuição para essa salvação.
Não são só montanhas e fronteiras que separam católicos de protestantes, são as escadas para o céu,
Estas noções prévias são provavelmente do conhecimento geral, mas é importante recuperá-las  quando queremos olhar para o trabalho, desemprego, salários, direitos, no século XXI.
Mas afinal o que é trabalhar no século XXI?
Houve um processo de aniquilação da sustentabilidade individual. Para que o homem-consumus se reproduzisse foi necessário abandonar e promover o abandono de todas as formas de produção que não visassem a comercialização em massa, em duas ou três gerações passámos a ter uma população mais urbana do que rural, mais no sector terciário e muito menos capaz de se imaginar a produzir os seus próprios alimentos, o seu próprio vestuário. Desempoderaram-se as pessoas dos seus saberes ancestrais, tornando-as dependentes da aquisição permanente de bens.
A própria noção de trabalho passou a estar directamente ligada ao trabalho executado fora do perímetro doméstico,  trabalhar significaria despender esforço numa cadeia de produção tendo como retorno dinheiro que se converteria em bens ou serviços.
Este projecto de sociedade teve consequências profundas na organização familiar, na divisão do tempo, na forma como se entende a autonomia financeira e como fomos diabolizando o tempo livre, fruto de uma catequização protestante activa e agressiva.
A a mecanização.  a robotização e a informatização  evoluíram num passo acelerado  e a força humana tem vindo a ser substituída pela máquina, esta transformação expectável não promoveu a libertação humana do trabalho/tripalium, como muitos ambicionaram, liberto do trabalho, catequizado acerca dos malefícios do tempo livre, incapaz de se sustentar sem ser através do consumo, o ser humano está perante um desafio muito semelhante ao último período glaciar.
O trabalho já não vai ser a estrutura central da vida, pelo menos se entendermos trabalho como um esforço que se emprega numa estrutura produtiva que em troca cede créditos(moedas) que permitam a aquisição de bens. Esta é a mudança de paradigma, como consequência da busca incessante pelo lucro / livre de custos sociais) as pessoas estão a ser substituídas por máquinas, até aqui nada teria que ser assustador se o trabalho é uma condenação, livrar-mo-nos dele deveria ser uma conquista, mas a dependência e o afastamento da noção de sustentabilidade que entretanto gerámos, incapacitou-nos para aproveitar esse tempo agora libertado.
Talvez possamos aprender a fruir, talvez possamos aprender a cooperar, talvez possamos aprender a envolver-mo-nos em projectos que potenciem a nossa comunidade, este tempo caótico tornar-se-a numa patologia social caso não seja reorientado, e esta reorientação passa por compreender que a noção de Trabalho se transformou em definitivo.
Pessoalmente sempre preferi o vocábulo labor, as palavras têm sabor e cheiro e labor cheira a pão a sair do forno, enquanto trabalho cheira a enxofre.
O convite que aqui faço não apela à resignação, nem tão pouco pressupõe que a tragédia do desemprego deva ser olhada como uma oportunidade, como afirmou um senhor com responsabilidades políticas, o convite implica-nos a todos
na percepção de um tempo que pode assentar numa visão diferente, mais harmoniosa entre esforço e prazer, recuperando saberes antigos que proporcionem uma sensação sustentada de independência. É um convite a que repensemos a nossa forma de encarar a ideia de trabalho, recuperando a dignidade das tarefas que garantem o dia-a-dia de uma família, comunidade, mesmo quando o seu desempenho não for recompensado através de moedas, é imprescindível validar as pessoas e os seus variados contributos, só assim se ultrapassará este combate entre direitos sociais e assistencialismo, só assim as  comunidades iniciarão um caminho de verdadeira cooperação, mesmo que o estado se desmantele, pessoas conscientes das suas aptidões e possibilidades serão capazes de finalmente  e verdadeiramente afirmar "O ESTADO SOMOS NÓS".



sábado, 23 de novembro de 2013

Fazer pontaria e errar o alvo.





Deixou de ser necessário anunciar que a crise se entranhou na nossa pele, mesmo os mais renitentes mesmo aqueles que se julgavam a salvo dos efeitos da austeridade já esbarraram de encontro ao muro e foram forçados a admitir as consequências.
Durante anos os avisos sobre o caos que se aproximava foram desprezados pela maioria dos cidadãos, e o seus portadores tratados como Cassandras.
Agora que é consensual é vê-los a saltarem de lado, escuta-mos-lhes as palavras arrebatadas, as acusações impiedosas, agarram-se aos sinos e fazem-nos soar a rebate, quanto mais se comprometeram com o sistema mais alto gritam, como se assim afugentassem a memória e garantissem o salvo conduto para o tempo seguinte.
Estou farta de os escutar, farta de os ver, farta de assistir as ovações com que os premeiam.
Não é difícil falar do furacão quando o seu olho se anuncia, difícil é antevê-lo e deslocar as populações para abrigos quando o vento ainda não sopra.
Agora, dizem, é tempo de convergir, mas convergir em quê? Em tirar de lá este governo?
Sim, esse é o objectivo agregador, diabolizar unipessoalmente o PPC e fazê-lo encarnar todo o mal, como se o mal pudesse ser aquartelado e posto de quarentena, e finda a quarentena regressassem por milagre os amanhãs cantantes.
Ide para o diabo, vós e a vossa retórica. Os vossos arrobos são a face  do vosso medo, os vossos ímpetos revolucionários têm dias contados e voltam ao esquecimento assim que recuperarem o poder.
O governo tem que cair? sim mas não para ser substituído por um outro que se lhe assemelhe.
Olhem à volta, leiam o que se passa em todo o ocidente, pesquisem para além das notícias ruminadas que vos são oferecidas.
Brian Rea.
Este pode ser o momento para escolher um caminho, mas não basta seguir as setas, vai ser preciso desbravar.
É aí que as convergências se desfazem.
Com um mal corporizado num débil mental com laivos de sadismo, a raiva conflui, proveniente de quadrantes antagónicos, depor o governo é uma solução concreta, palpável, parece até poder restituir a esperança na possibilidade de um caminho que não implique uma transformação radical. 
Como seria bom acreditar nisto.
Saíamos todos à rua, galgávamos escadarias e livrava-mo-nos do mal, e num passo de mágica o céu abria-se e a manhã seguinte seria de harmonia e esperança.
A ingenuidade desta crença seria louvável caso não fosse uma forma de desviar a energia e a acção para uma periferia dos problemas, quando estas deveriam fazer alvo ao centro nevrálgico.
Os perigosos e alucinados vaticinadores de tempestades continuam a falar de um tema que ainda não é encarado como central, o poder desregulado das corporações e de como este se sobrepõe ao poder executivo dos governos, sejam eles nacionais, federais ou continentais.
A liberdade reclamada por estes agentes económicos, pressupõe que as corporações gozem de protecção, de direitos e garantias que se julgaria serem exclusivos das pessoas e não das empresas, existem precedentes jurídicos que consubstanciam esta afirmação, as corporações exigem protecção que negam aos cidadãos.
Estamos num momento grave da história humana, e já não basta mudar a cor política dos governantes, é essencial enfrentar o monstro em si, a concentração de poder e de domínio económico que destituiu governos e impõe a indignidade como regra para os não poderosos.
E para quem acha que esta é uma divagação e que se pode ir por partes, continue em processo de negação, em breve a realidade vai entrar-lhe pelos poros como entrou a austeridade, esperem pelo cheiro fétido incrustado nas narinas e depois então dêem as mãos e rezem, mas  aos deuses todos.
As consequências da ignorância selectiva vão devastar várias gerações.