quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

As crianças pobres devem ostentar sorrisos assustados enquanto limpam o ranho a camisolas desbotadas e esburacadas, como convém.




As mulheres pobres usam sempre calças de malha castanhas às quais sobrpõem saias de fazenda preta. As mulheres pobres estendem roupa e sacos de plástico, em varais de pau. As mulheres pobres têm buço. As mulheres pobres parem filhos todos os nove meses para garantirem o abono. As mulheres pobres só dão bolos aos filhos. QUando chega a noite, as mulheres pobres vestem por cima da roupa que já trazem, um roupão turco e cheio de borbotos.
Os homens pobres, vestem sempre camisas de flanela quadriculada e por cima, camisolas de decote em V, daquelas que têm uma risca vermelha e outra branca na zona do colarinho. Os homens pobres passam os dias a mexer nos motores de carros que já não funcionam e que nem têm rodas, quando chega a noite, os homens pobres abrem a navalha e desbastam pequenos paus.
As crianças pobres vestem fatos de treino listados, ou calças de bombazine de canelado largo, em tons acastanhados e os seus sapatos nunca devem ter atacadores.As crianças pobres passam o dia na rua a jogar ``a bola com velhas latas e a limpar o ranho esverdeado a camisolas desbotadas e esburacadas. Quando cai, a noite as crianças pobres chupam pacotes de açucar nas tabernas.
Os velhos pobres, já foram crianças pobres, homens ou mulheres pobres e por isso sabem muito bem desempenhar os seus papéis de velhos pobres, cuspindo ruidosamente para o chão e bebendo, sem saberem se a noite antecede o dia ou se o dia clama p'la noite eterna.

2 comentários:

  1. E as mulheres, hoje pobres, e que nasceram em berço de ouro? E as mulheres, essas, as tais, que já foram ricas, e hoje tudo fazem para manter a dignidade de outrora?
    E os Homens, hoje pobres, os tais que também já foram ricos, e mantêm, hoje, pobres, a cabeça bem erguida?

    Homens e mulheres que nos ensinam dignidade.

    Os outros, esses que refere, merecem todo o meu respeito. Numa sociedade dita evoluída eles são o rosto do nosso fracasso.

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  2. o meu texto é um grito de fúria contra as ideias bolorentes de alguns sectores da sociedade acerca da pobreza, dos seus rostos e dos seus dias. A pobreza tem muitos rostos e muitas histórias.
    Obrigada pela sua leitura.

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