sábado, 22 de setembro de 2012

A hora dos Corvos.




Gosto de acordar antes dos outros, como se esse gesto me concedesse um dia a mais, só meu, para preparar o acordar dos outros. É um tempo de silêncio. Um silêncio abandonado, cheio de ideias e planos para as horas cronometradas do resto do dia, ou às vezes indolente e vagaroso, sem objectivo, é um silêncio saboroso; om restolhares de folhas, cheiro a terra molhada e o piar agudo de um casal de corvos. Entre as seis e quarenta e cinco e as sete e trinta, o terreno é dos corvos, piam, voam, sobem aos ramos dos pinheiros e depois descem a pique, saltam no chão e retomam o voo, chamam-se e quando a hora acaba vão embora. Assisto a este ritual há cerca de um ano, talvez até já faça parte do ritual. Há cerca de uma semana algo se quebrou neste ritual. Um dos corvos desapareceu. O outro perdeu as horas. Pia em gemido a todas as horas. Sobe ao cimo do pinheiro mais alto e ali fica parado a gritar pelo outro corvo. Já não há a hora dos corvos, todas as horas são o desespero do corvo. Hoje ainda não chegou, vou ter que encontrar outro som que me devolva o passar das horas, senão perco-me e fico em silêncio.

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