quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Afinal qual é a missão da escola pública?(Renato Russo e Adriana Calcanhoto - Esquadros (1994)




Não é por acaso que defendo a educação como pedra basilar na construcção de uma sociedade mais justa, mais disponível para desenhar o futuro, para enfrentar o plúmbeo céu e despejar-lhe baldes de tinta garrida.
A escola deveria ser capaz de possibilitar o contrariar das adversidades socio-económicas das crianças, a escola, e muito mais a escola pública, deveria ser a bagagem necessária para superar as duras marcas das vidas menos fáceis.
Numa sociedade dita democrática e assente em princípios de equidade, a missão da escola pública não poderia perder o norte, as limitações sócio-económicas deveriam ser o sinal da sua imprescindibilidade, e não, a justificação para os fracassos, anunciados como destinos marcados desde demasiado cedo.
Num diálogo com um professor titular, por quem tenho muito respeito, trocamos impressões sobre várias crianças, focamo-nos na interação com o grupo, na disponibilidade para arriscar, na compreensão de instruções, na criatividade e imaginação,num determinado ponto da conversa fala-se uma criança específica. Sobre ela é dito que vem de uma família muito pobre, que o pai abandonou a casa e que a mãe trabalha nas limpezas todo o dia, vindo buscar a filha à escola por volta das seis horas, levando-a para casa, para cuidar dela até ter que voltar a sair para fazer limpezas em escritórios durante parte da noite, e nessa altura a criança fica entregue a uma avó quase analfabeta e que não a pode ajudar com os trabalhos de casa, por isso não haverá muito a fazer.
O discurso fatalista e camufladamente exclusivo é o reflexo do falhanço da política de educação, é o assumir das assimetrias como determinantes inultrapassáveis no percurso de uma criança.
Afinal para quem é a escola? para quem não precisa dela e pode aprender fora dela, com pais, de preferência professores, ou para quem só tem acesso aos conteúdos da escola se a frequentar e enquanto a frequenta?
A percepção das limitações das famílias deveria funcionar como motivo de reflexão por parte dos professores na forma como propõem as tarefas a realizar fora da escola, inequivocamente os trabalhos de casa deveriam ser realizáveis autonomamente pelas crianças e não serem uma convocação para que os pais completem as tarefas que a escola assumiu, constituindo-se assim como uma fonte de angustia e frustração, uma zona onde os afortunados serão sempre os afortunados e onde todos os outros serão sempre os fracassados. Enquanto a escola, e a escola pública ainda mais, agravarem as assimetrias em vez de as transporem, a vida das crianças que não ^tenham outros recursos vai manter-se condicionada, vai ser uma vida a prazo, de falhanço anunciado em falhanço anunciado até se consumar um abandono que na verdade foi ditado pelas fragilidades socioeconómicas, aquelas que deveriam ser acuteladas pelo famoso estado social.

2 comentários:

  1. Subscrevo, na íntegra, a sua análise/opinião.
    Quem é que (quem de direito) ainda não percebeu que a Educação é a ferramenta maior, a ferramenta a que todos deviam ter igualmente acesso?

    Acrescento ao grupo de crianças que refere, as mais fragilizadas em termos económicos, as crianças com Necessidades Especiais. Onde estão os professores com formação específica nesta área? Que percurso, que apoios são dadas a estas crianças? O que as espera? O abandono escolar?

    Se ao menos conseguissem deixar de ser hipócritas!

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  2. A hipocrisia de um discurso que não acompanhava a prática, foi agora superada plo descaramento de uma prática que não pode ser narrada.

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