segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Fingir a sério. the platters the great pretender 1955



Como já devo ter dito várias vezes, tenho a sorte de ser Professora de Educação pela Arte, numa escola pública num concelho da periferia de Lisboa, tenho sorte em ser, porque para além de aprender muitíssimo, ainda troco este labor por dinheiro, coisa que, nos aziagos dias que nos deram, não é de pouca importância.
Bom, mas larguemos as considerações e mergulhemos no momento que hoje fez do meu dia um DIA.
Numa turma com meninos de 2º ano(idades entre os 7 e os 9)estávamos a apresentar improvisações a partir de desenhos dos próprios, representando situaçoes de conflito e situações de harmonia entre animais. Este trabalho iniciou-se em setembro com uma proposta para que se desenhassem a si próprios como animais, salientado o que mais admiravam no animal que escolhessem, depois construíram uma máscara, simples, e durante algum tempo, trabalhámos técnica de máscara, primeiro sem som, só movimentos, observámos animais e os seus movimentos, tentámos imitá-los, e depois juntámos os sons, sons de animais, com modulação de voz mas sem palavras. Tem sido um trabalho que tem dado imenso gozo a todos, a eles a mim que tenho aprendido muito.
Hoje era dia de partilha de improvisações.
Na minha frente estavam dois meninos, um leão e um pinguim, de acordo com o desenho de um deles, o pinguim teria entrado na jaula do leão e o leão zangou-se muito a sério.
O pinguim é um menino de olhos doces, de porte maior que os outros colegas, o leão é o ás do futebol no intervalo. Entram os dois a sorrir e a brincar e fingem zangar-se,trocando palavras agressivas entre risinhos, paramos o exercício e questiono a turma sobre o que acábamos de ver; levantam-se vários braços, questionam a verdade daquele encontro, alguns criticam a forma como a zanga se processa:
- Os animais não se zangam com palavras! (diz uma menina, dou tempo e intervenho, para perguntar se os animais nunca podem falar, um rapaz vivo, salta do lugar e grita:
-Nás fábulas, Profª Rita, nas fábulas os animais falam
- É verdade, nas fábulas os animais falam, mas não devem perder a atitude de animais, o andar de animais, o rugir do leão.(digo eu)
O exercício é repetido, após vários comentários.
O Pinguim entra com o seu andar tonto e desajeitado, o leão salta-lhe em cima num rugido animalesco e atira-se a ele. O Pinguim fica a sangrar do nariz e o exercício é interrompido. Socorrido o menino/pinguim, é retomado o circulo, faço-lhes ver que é um momento sério, peço-lhes que pensemos em conjunto para compreender o que aconteceu.
Um dos meninos diz que o colega que fez de leão foi cruel para o o pinguim, outro acusa o colega de ter exagerado na violência, um outro encaminha a discussão para o lugar certo:
- Ele só estava a fazer o papel dele e levou o papel muito a sério, ele não o queria magoar.
Um outro traz a palavra justa para continuarmos a conversar:
-Ele esqueceu-se que era para fingir, e fez mesmo a sério.
E são eles que estabelecem a diferença entre o fingimento e a realidade, e daí derivam para a diferença entre fingir a fingir e fingir a sério, e pronto, lá vem a convenção teatral, a invisível rede de segurança, aquela que nos permite brincar( play)aos mortos e caçadores e ter a certeza que no fim do jogo, tudo volta ser como antes ( pelo menos aparentemente, e isto eu ainda não lhes contei...)

2 comentários:

  1. E assim se aprende, e assim se "fazem" os Homens.

    Uma banalidade? Talvez!
    Só que é imperioso estabelecer/ensinar a noção de Bem e Mal, de Justiça e Injustiça.

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  2. Verdade, e por isso é tão importante brincar, e fazer de conta.
    Obrigada pelo seu comentário.

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